Em acórdão proferido no dia 21 de agosto de 2018, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao Recurso Especial nº 1.584.441/SP (2015/0070568-9) e afastou a exigência da caução prevista pelo artigo 835 do Código de Processo Civil de 1973 [1] (atual artigo 83 do CPC/2015) para uma armadora estrangeira que propôs ação judicial no Brasil representada por agente marítima própria.
Fazendo referência aos artigos 12, VIII [2], e 88, I, § único [3], do CPC/1973 (atuais artigos 75, X, e 21, I, § único, do CPC/2015), à Súmula 363 do STF [4], e aos documentos apresentados – entre eles uma procuração da armadora nomeando sua representante como “agente geral no Brasil” e um contrato de agenciamento entre essas empresas –, os Ministros entenderam que, naquele caso, a armadora estrangeira deveria ser considerada domiciliada no Brasil e que sua agência representante poderia “responder diretamente, caso seja vencida na demanda, por eventuais encargos decorrentes de sucumbência”.
Circunstâncias específicas, como a existência de linha regular da armadora para o Brasil, o estabelecimento da agência marítima em diversas cidades brasileiras, os serviços prestados exclusivamente àquela armadora, e as previsões contratuais outorgando à agência poderes para ajuizar ações no país, celebrar contratos, assinar termos de responsabilidade, efetuar depósitos e retiradas em juízo etc., foram decisivas para a solução dada pelo STJ ao caso concreto.
Trata-se de precedente importante para o Direito Marítimo, mas que deve ser analisado sob outro prisma, o da armadora estrangeira que NÃO possui agente marítima própria no Brasil, mas apenas firma com determinada agência independente um contrato típico de mandatopara prestação de serviços pontuais no país, para viabilizar uma escala em determinado porto brasileiro e/ou para receber assistência quanto aos atos necessários aos demais trechos do transporte. Para esses casos, o entendimento deve ser outro.
Isso porque a caução prevista pelo artigo 835 do CPC (atual artigo 83 do CPC/2015) não guarda relação com o contrato firmado entre a armadora e sua agência marítima, sendo norma de direito processual que visa resguardar o ressarcimento de prejuízos que possam ser causados à parte contrária em eventual improcedência/extinção de ação ajuizada, com condenação ao pagamento de verbas sucumbenciais, como custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Nesse sentido, para os casos em que a agência marítima figurar como mera mandatária da armadora estrangeira durante o período de permanência no Brasil – e não como filial, sucursal ou agência própria da pessoa jurídica estrangeira –, será sempre necessária a caução em comento, não se aplicando a elas as normas constantes nos artigos 12, VIII, e 88, § único, do CPC/1973 (atuais artigos 75, X, e 21, I, § único, do CPC/2015), utilizadas pelo STJ na fundamentação do julgado mencionado no início deste texto.
O termo “agência” contido nos referidos dispositivos não representa o papel dessas agências marítimas independentes (meras mandatárias) em relação às armadoras estrangeiras, não havendo qualquer relação de dependência, muito menos de “identidade” com a pessoa jurídica estrangeira. Essas agências marítimas mandatárias não possuem as mesmas prerrogativas e deveres daquelas citadas nos dispositivos aplicados pelo STJ, figurando como verdadeiras consignatárias, uma vez que são acionadas esporadicamente para prestar serviços pontuais e específicos durante a passagem do navio por determinado porto.
Some-se a isso o fato de que boa parte dos navios que atracam diariamente no Brasil não possuem rota fixa para o nosso país, são registrados em países com regimes abertos (bandeiras de “conveniência”) e compõem sozinhos as “frotas” das armadoras que os exploram. Da mesma forma, a substituição das agências marítimas “independentes” durante a estadia do navio no Brasil representa uma realidade – ainda que extraordinária –, podendo ocorrer a qualquer tempo e sem nenhuma formalidade, o que só comprova o fato de não existir relação permanente entre a armadora estrangeira e sua agente mandatária.
Em conclusão, diante de certas circunstâncias – como aquelas existentes no caso julgado pelo STJ (outorga de poderes a uma “agente geral no Brasil”) –, é possível a dispensa da caução prevista no artigo 83 do CPC/2015 (antigo artigo 835 do CPC/1973). No entanto, diante da realidade de inúmeras armadoras estrangeiras que não possuem rota fixa para o Brasil e que firmam contratos de mandato com agências marítimas independentes, a caução deve ser exigida, sob pena de se colocar em risco “eventual responsabilização da demandante pelos ônus sucumbenciais”.
[1] Art. 835. O autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.
[2] Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (...) VIII – a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 88, parágrafo único);
[3] Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.
[4] “A pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que se praticou o ato”.
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