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Segurança e saúde no trabalho portuário – responsabilidades

“A legislação nacional deverá responsabilizar as pessoas adequadas – empregadores, proprietários, capitães de navio ou quaisquer outras pessoas, de acordo com o caso – pela aplicação das medidas previstas” (Convenção 152 da OIT relativa à segurança e higiene nos trabalhos portuários, promulgada pelo Decreto 99.534/90).

Definição da responsabilidade

A Portaria 53/97 da Secretaria de Segurança e Saúde do Ministério do Trabalho, que aprova o texto da Norma Regulamentadora NR 29, relativa à segurança e saúde no trabalho portuário, define as obrigações específicas de cada um dos envolvidos nas operações portuárias, a esse respeito: operadores portuários, empregadores, instalações portuárias de uso privativo, terminais retroportuários, tomadores de serviço, exportadores, Órgão Gestor de Mão-de-Obra, armadora e seus representantes no país, trabalhadores, administração do porto, tudo sob a fiscalização do Ministério do Trabalho e da Capitania dos Portos e sem prejuízo das eventuais responsabilidades de fornecedores, veículos e terceiros, seja pelas ali também definidas, seja pelas decorrentes de atos ilícitos em geral.

Não há solidariedade nessas obrigações. Nos termos do disposto no Código Civil, só haverá solidariedade na obrigação de reparação do dano causado se mais de um for autor da ofensa ou violação do direito, ou seja, só os que forem autores da ofensa ou violação responderão solidariamente pela reparação.(1) “A responsabilidade é, portanto, resultado da ação”, “de violação da norma ou obrigação diante da qual se encontrava o agente”. “Marton” “define responsabilidade como “a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às consequências desagradáveis decorrentes dessa violação”. “Sílvio Rodrigues enfatiza a afirmação segundo a qual o princípio informador de toda a teoria da responsabilidade é aquele que impõe “a quem causa dano o dever de reparar””. “Segundo Cretella Jr.,” “situação originada por ação ou omissão de sujeito de direito público ou privado que, contrariando norma objetiva, obriga o infrator a responder” “reunindo sempre, em essência, a entidade personativa, que se projetou ou se omitiu no mundo das normas jurídicas, quebrando-as e provocando o dano”. “Envolve a responsabilidade jurídica, desse modo, a pessoa que infringe a norma”, “o nexo causal entre infrator e infração””. “Esse comportamento gera, para o autor, a responsabilidade civil, que traz, como conseqüência, a imputação do resultado à sua consciência, traduzindo-se, na prática, pela reparação do dano ocasionado, conseguida, normalmente, pela sujeição do patrimônio do agente”.“Deve, pois, o agente recompor o patrimônio”.

“A doutrina objetiva” “assenta-se na equação binária cujos polos são o dano e a autoria do evento danoso”; “o autor do fato causador do dano é o responsável.” “Réu será aquele que for apontado como causador do dano”; “se fica provado que o ato produtor do dano emanou de um membro do grupo, que fica assim determinado, não há como condenar a todos ou reconhecer solidariedade entre eles” (RUI STOCO) (A). “Correlata à idéia de dano eventual é a identificação de seu causador. Como a ação exige se estabeleça com segurança a equação processual e determinação dos sujeitos ativo e passivo da lide, é necessário estabelecer quem deve ser responsabilizado”. “Cumpre indicar com precisão o responsável” (Caio Mário da Silva Pereira) (B).

Assim, para a responsabilização, é fundamental o estabelecimento da causa eficiente do acidente, aquela sem a qual ele não teria ocorrido; que ela corresponda ao descumprimento de uma daquelas obrigações ou a uma daquelas responsabilidades inicialmente referidas, com a conseqüente definição do seu titular; bem como a culpa desse causador do dano. “Nem sempre se tem condições de apontar qual a causa direta do fato, sua causa eficiente. A teoria da “equivalência das condições” vem em socorro da vítima, tentando resolver, na prática, o problema da relação causal e tem o mérito da simplicidade. Contudo, foi afastada por inadequada.”“A determinação do nexo causal é uma quaestio facti, considerando Leonardo A. Colombo não ser proveitoso enunciar uma regra absoluta, cabendo ao julgador examinar cada caso. “Somente a valoração de todos e cada um dos aspectos que ofereça aquele que se encontra sub judice permitirá enfocá-lo com maior ou menor exatidão” (Culpa aquiliana (Cuasidelitos), n. 58, p. 162).” (Rui Stocco) (C).“É necessário que se estabeleça uma relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado, ou, na feliz expressão de Demogue, “é preciso esteja certo que, sem este fato, o dano não teria acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria””.“O nexo causal se torna indispensável, sendo fundamental que o dano tenha sido causado pela culpa do sujeito.”“No tocante à determinação do nexo causal,” “situa-se na identificação do fato que constitui a verdadeira causa do dano,” “a causa direta do fato, sua causa eficiente.” (Rui Stocco) (D).

Da Administração do Porto

Em linhas gerais, nos termos daquela NR e da Lei 8.630/93, compete à Administração do Porto, denominada autoridade portuária, fiscalizar as operações portuárias, zelando para que os serviços se realizem com regularidade, eficiência, segurança; autorizar a entrada, saída, atracação, desatracação, o fundeio, o tráfego e a movimentação de carga dos navios, suspender operações portuárias, lavrar autos de infração e instaurar processos administrativos, aplicando penalidades, como suspensão da atividade ou cancelamento do credenciamento do operador portuário, no caso de realização de operação portuária com infringência ao disposto naquela Lei (2); criar e coordenar o Plano de Controle de Emergência e participar do de Ajuda Mútua; organizar e sinalizar os fluxos de mercadorias, veículos, unidades de cargas e de pessoas, na área do porto (equipamentos, ciclistas e pedestres, bem como a movimentação de cargas no cais, plataformas, pátios, estacionamentos, armazéns e demais espaços operacionais; estabelecendo ações coordenadas a serem adotadas na ocorrência de condições ambientais adversas); manter instalações sanitárias, vestiários, refeitórios, locais de repouso e aguardo de serviços (3).

Do Armador

A empresa armadora do navio em operação e seus representantes no país são os responsáveis pelas condições de segurança e pelo bom estado de conservação e funcionamento dos equipamentos de guindar e acessórios de bordo, devendo promover vistoria periódica e o reparo ou troca das partes defeituosas; acrescendo que o serviço de movimentação de carga a bordo deve ser executado de acordo com a instrução do comandante, preposto da armadora (4). “O comandante do navio, embora não execute as operações portuárias, detém o comando e o controle das operações que se realizem a bordo da embarcação, pelo que a movimentação de mercadorias será executada de acordo com suas instruções, devendo a carga ser arrumada nos porões e no convés, de forma e modo que entenda mais conveniente à segurança da embarcação a que comanda, evitando acidentes quando de sua estadia no porto ou em viagem. Ao comandante é dado o poder de despedir o operador portuário que não atenda ao seu comando, substituindo-o por outro. Essas operações sempre se deram dessa forma, não traduzindo nenhuma novidade a quem conhece as atividades da orla portuária.”“De outro lado, quando o dano seja ocasionado por ato de bordo da embarcação, desde que sem a culpa do trabalhador avulso contratado pelo operador portuário que opera o equipamento de bordo, ao operador se permitirá obter o ressarcimento daquele que, efetivamente, der causa ao evento danoso, eis que em nível de responsabilidade civilperante a legislação brasileira, o dever ressarcitório depende da ocorrência da trilogia: ato ilícito, dano e sua extensão e o liame do nexo causal.”(Francisco Carlos de Morais Silva) (E).

Do Exportador

O exportador ou seu preposto deve fornecer à administração do porto e ao OGMO a declaração de mercadorias perigosas embaladas para exportação (5).

Do OGMO

A competência do Órgão de Gestão de Mão-de-Obra no sentido de “zelar pelas normas de saúde, higiene e segurança no trabalho portuário avulso” consiste em “proporcionar aos trabalhadores formação sobre segurança, saúde e higiene ocupacional no trabalho portuário”; “responsabilizar-se pela compra, manutenção, distribuição, higienização, treinamento e zelo pelo uso correto dos equipamentos de proteção individual – EPI e equipamentos de proteção coletiva – EPC”; “elaborar e implementar o programa de prevenção de riscos ambientais – PPRA – no ambiente de trabalho portuário” e “elaborar e implementar o programa de controle médico em saúde ocupacional – PCMSO” (6).

Do Trabalhador

Compete aos trabalhadores cumprir aquela NR – mormente quanto ao trânsito sobre os vãos entre as cargas estivadas só quando cobertos com pranchas de madeira (7); ao não trânsito ou permanência no setor necessário à rotina operacional do equipamento e ao posicionamento à frente de tubos, bobinas ou similares (cujo empilhamento deve ser peado imediatamente após a estivagem e adequadamente calçado), por ocasião da movimentação, só quando absolutamente indispensável (8) – bem como as demais disposições legais de segurança e saúde do trabalhador; informar ao responsável pela operação de que esteja participando, as avarias ou deficiências observadas que possam constituir risco para eles ou para a operação e utilizar corretamente os dispositivos de segurança – EPI e EPC, que lhes sejam fornecidos, bem como as instalações que lhes forem destinadas (9). “Embora a lei civil codificada não faça qualquer menção à culpa da vítima como causa excludente da responsabilidade civil, a doutrina e o trabalho pretoriano construiu a hipótese, pois como se dizia no Direito Romano: Qui quis ex culpa sua damnum sentit, non intelligitur damnum sentire. Como ensina Aguiar Dias, a conduta da vítima como fato gerador do dano elimina a causalidade”; “culpa exclusiva da vítima” “quebra um dos elos que conduzem à responsabilidade do agente (o nexo causal)”.“Quando se verifica a culpa exclusiva da vítima, tollitur quaestio: inocorre indenização.” “O que importa, no caso, como observam Alex Weill e François Terré, é apurar se a atitude da vítima teve o efeito de suprimir a responsabilidade do fato pessoal do agente, afastando a sua culpabilidade (Droit Civil, Les Obligacions, n. 635, p. 647; Malaurie e Aynés, ob. cit., n. 59, p. 57, apud Caio Mário, op.cit., p. 296).”(Rui Stocco) (F).

Da Fiscalização

Em última análise, pelo Decreto 1.886/96, compete ao Ministério do Trabalho a fiscalização das condições gerais do trabalho portuário, adotando as medidas regulamentares previstas na hipótese de descumprimento da legislação, para tanto nele instituído o “Grupo Especial para fiscalização móvel do trabalho portuário”, tendo como atribuições fiscalizar o trabalho portuário nos portos organizados e nas instalações portuárias privativas localizadas dentro ou fora da área do porto organizado e fiscalizar as normas de segurança e saúde no trabalho na forma da legislação vigente (10).

Do Operador Portuário, instalações de uso privativo, terminais retroportuários e tomadores de serviço

Acima de tudo, entretanto, nos termos da Lei 8.630/93, “o operador portuário é titular e responsável pela direção e coordenação das operações portuárias que efetuar”. Assim, responde por toda a operação portuária que dirige e coordena, inclusive pela segurança dessa operação e pelos equipamentos e trabalhadores que nela emprega, bem como dos trabalhadores portuários avulsos por ele requisitados e pagos, como tomador dos serviços de todos e por cujos atos responde como preponente, ainda que não ligado por relação empregatícia e de tais equipamentos não seja o proprietário. “Quando da execução de uma operação portuária (digamos, a descarga e o carregamento de um determinado navio), o operador portuário contrata a mão-de-obra avulsa para a movimentação da carga a bordo da embarcação (estivagem, inclusive com a operação dos guindastes de bordo e das empilhadeiras no convés e/ou nos porões pelos próprios estivadores, conferência, conserto, vigilância, etc.)”;“a lei responsabiliza o operador portuário pelos danos causados à infra-estrutura do porto, às suas instalações e ao equipamento de sua propriedade, ou sob contrato com a Administração, devendo ressarcir-lhe os danos causados.”(Francisco Carlos de Morais Silva)(G).

O trabalhador portuário avulso e também o não avulso que esteja sob as ordens do Operador Portuário (antiga “entidade estivadora”) são prepostos deste. Nesse ponto, aquela Lei veio acentuar tal responsabilidade. E isto se aplica também às instalações portuárias de uso privativo, terminais retroportuários e demais tomadores de serviços de trabalhadores portuários, ainda que não sejam operadores portuários. Pela segurança dos trabalhadores portuários de cujos serviços são tomadores e dos quais são preponentes e pelos atos deles, no exercício desse trabalho, são os responsáveis.“Em tema de responsabilidade civil, a conceituação de preposto desvincula-se de rigorosa vinculação empregatícia”(TJSP, RT 532/84).“Mesmo sendo autônomos os estivadores, é evidente que, ao realizar desembarque de mercadorias, eles agem na condição de prepostos eventuais dos responsáveis pelos navios e que estes respondem pelos danos causados pelos primeiros no exercício dessas funções”;“os armadores, ou seus agentes, são entidades estivadoras, que respondem pelos atos praticados pelos estivadores.” (1 o.TAC.SP,Apel.331.086, 24.10.84).

Mais clara, ainda, é aquela Lei, no sentido de que são eles e não o OGMO quem responde pelos prejuízos causados pelos trabalhadores portuários avulsos a eles próprios, tomadores de serviço, ou a terceiros, entre os quais os próprios demais trabalhadores portuários avulsos. “O Ogmo não tem ingerência na direção e na coordenação dos trabalhos portuários, matéria afeta de modo preferencial aos operadores portuários (Lei N. 8.630/93, Art. 16), sem prejuízo da responsabilidade do armador ou do afretador pelo ato de seus prepostos (v.g. comandante), ex vi do artigo 15 da Lei N. 8.630/93.” (r. sentença da 4aVC.Santos, proc. 1291/02, 30.6.03).

Por tudo isso é que a grande maioria das obrigações minuciosamente estabelecidas naquela NR 29 se refere a todos esses tomadores de serviços de trabalhadores portuários e seria muito extenso enumerá-las aqui. Assim, mormente por ser impossível a fiscalização simultânea de todas as operações portuárias realizadas diariamente num grande porto pelas autoridades portuárias, cabe ao “titular e responsável pela direção e coordenação das operações portuárias que efetuar” “cumprir e fazer cumprir” a “NR no que tange à prevenção de riscos de acidentes do trabalho” “nos serviços portuários” e “fornecer instalações, equipamentos, maquinários e acessórios em bom estado e condições de segurança, responsabilizando-se pelo correto uso” (11). “Os operadores portuários são as pessoas jurídicas pré-qualificadas pela administração do porto para movimentar e armazenar mercadorias, contratando, para tanto, mão de obra portuária própria (vínculo de emprego) ou avulsa (relação de trabalho)” (Sussekind) (H). “Trabalhador avulso é o que presta serviços, na orla marítima, trabalhando, sem vínculo empregatício, para várias empresas (tomadoras de serviço), que requisitam esse à entidade fornecedora de mão-de-obra”; “forma peculiar de prestação de serviços subordinados” “entre o prestador de serviço e a empresa para a qual o serviço é prestado.” (Sussekind) (I).

Conclusão

Estas considerações são aqui feitas quer quanto à responsabilidade civil de todos os envolvidos no trabalho portuário, por danos materiais ou pessoais, quer perante a fiscalização da Administração do Porto, do Ministério do Trabalho e até da Capitania dos Portos, à qual compete instaurar inquérito sobre “fatos da navegação”, assim considerados os “que prejudiquem ou ponham em risco” “as vidas e fazendas de bordo”, enviando-o ao Tribunal Marítimo, que indicará os responsáveis, aplicando-lhes as penas estabelecidas na Lei 2.180/54.

Não há solidariedade nessas obrigações. Nos termos do disposto no Código Civil, só haverá solidariedade na obrigação de reparação do dano causado se mais de um for autor da ofensa ou violação do direito, ou seja, só os que forem autores da ofensa ou violação responderão solidariamente pela reparação.

Cabe, finalmente, observar, neste pequeno apanhado sobre as responsabilidades dos diversos envolvidos no trabalho portuário, mais especificamente quanto à segurança e saúde dos trabalhadores, que, entre os sujeitos às sanções até do Tribunal Marítimo, estão eles próprios, trabalhadores, acrescendo que a sua culpa eximirá de responsabilidade os demais, donde lhes caber principalmente o uso dos equipamentos de proteção, a freqüência aos cursos de treinamento e aperfeiçoamento para as diversas tarefas e o seu exercício responsável.

(*) Antonio Barja Filho é formado pela Faculdade Católica de Direito de Santos em 1961 e advogado do Órgão de Gestão de Mão-de-Obra do Trabalho Portuário do Porto Organizado de Santos – OGMO/Santos, desde a sua constituição. Contato: barja@miller.adv.br

  • Art. 1.518 do antigo, 942 do novo.

  • Lei, Art. 33, par. 1o, VII.

  • NR 29.6.3.4.c e d; 29.3.6.1; Lei, Art. 33, par. 5o, II, b; NR 29.3.6.10.9 e 29.4.1.

  • NR 29.3.5.8 e Lei, Art. 15.

  • NR 29.6.3.2.1 e 29.6.3.1.1.a.

  • Lei, Art. 19, V e NR 29.1.4.2.

  • NR 29.3.4.7.

  • NR 29.3.7.2.

  • NR 29.1.4.3.

  • Decr.1886/96, Art. 7o; Port. GM/MTb 1115/96,I e IV; MP 1575/97,Arts. 13 e 8; Lei 9719/98 e Port. MTb 746/00.

  • Arts. 16, 15 e 19 par. 1o; NR 29.1.4.1.

  • “Responsabilidade Civil”, 3a ed., ps. 50, 51, 53, 69, 97 e 101.

  • “Responsabilidade Civil”, p. 48.

  • “Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial”, 97, p. 63.

  • “Tratado de Responsabilidade Civil”, 2001, p. 106.

  • “Direito Portuário”, p. 54-55.

  • “Responsabilidade Civil”, 1999, p. 89.

  • “Direito Portuário”, p.56.

  • “Instituições de Direito do Trabalho”, vol. 2, p. 1.058.

  • “Instituições de Direito do Trabalho”, vol. 1, p. 315.

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