A Lei Brasileira de Arbitragem completou no último ano seu vigésimo primeiro aniversário. Porém, sua existência vintenária não é suficiente para afastar as divergências, doutrinárias e jurisprudenciais, sobre o instituto da arbitragem no Brasil.
No final do ano de 2017 mais um capítulo foi escrito, quando a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça concluiu o julgamento do Recurso Especial nº 1.550.260/RS, reafirmando que a competência do juízo arbitral prevalece sobre a do Poder Judiciário na análise da validade da cláusula arbitral e, portanto, de sua própria competência.
O recurso, interposto pelo banco estatal alemão KfW Bankengruppe em face da Eletrobras CGTEE, tratava da possibilidade de o Poder Judiciário declarar a falsidade documental dos contratos onde estavam inseridas as cláusulas arbitrais e, portanto, a existência e validade das próprias cláusulas, tendo a controvérsia surgido em razão de contratos de financiamento celebrados com o banco KfW relativos à construção de usinas termelétricas nos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul, tendo a CGTEE figurado como garantidora.
Inadimplido o contrato pelas devedoras principais, a Companhia brasileira foi notificada acerca da possibilidade de execução da garantia, o que originou o ajuizamento de ação declaratória perante o Judiciário gaúcho, sob a alegação de falsidade material da firma existente no contrato. Após o entendimento do juízo de primeiro grau sobre a competência exclusiva do juízo arbitral para apreciar a questão e a reforma em sede de apelação por parte do Tribunal de Justiça local, o Superior Tribunal de Justiça reestabeleceu o entendimento originário, reafirmando a competência exclusiva do juízo arbitral para a apreciação da questão.
Segundo a Corte Superior, vigora na arbitragem privada o princípio do kompetenz-kompetenz, pelo qual a alegação de incompetência do juízo deve, por primazia, ser submetida a ele próprio. Tal conclusão tem por suporte o parágrafo único do artigo 8º da Lei nº 9.307/1996.
Não quer o julgado dizer, em absoluto, que a decisão arbitral sobre a validade da cláusula prevalecerá em qualquer hipótese. Inicialmente porque, apesar da fundamentação do julgado pela qual o princípio do kompetenz-kompetenz prestigia a autonomia da vontade das partes, é certo que o direito ao ajuizamento de ação para a anulação da sentença arbitral não pode ser objeto de renúncia prévia, conforme lição de Carlos Alberto Carmona (“Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96”. 2ª ed.. São Paulo: Atlas, 2004. Págs. 337/338).
É necessário observar que o artigo 32 da Lei de Arbitragem é expresso ao dizer que a sentença arbitral é nula quando nula for a convenção de arbitragem.
Com a decisão do Superior Tribunal de Justiça, estabeleceu-se que a alegação de nulidade deverá primeiro ser submetida ao juízo arbitral, uma vez que resta afastada, a priori, a competência do Poder Judiciário. Porém, em qualquer hipótese, resta assegurado o acesso ao Poder Judiciário para discutir a nulidade da sentença arbitral que, eventualmente, não tenha reconhecido a nulidade da própria convenção. Não é permitido que tal controle, todavia, seja exercido de forma antecedente, mas somente após a prolação da sentença arbitral, conforme se deduz do artigo 33 da Lei de Arbitragem.