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O OGMO-Santos e o ISS

A Fazenda Pública Municipal de Santos moveu ação de execução fiscal contra o Órgão Gestor de Mão de Obra do Trabalho Portuário do Porto Organizado de Santos – OGMO, feito em curso na 1ª Vara da Fazenda Pública de Santos, objetivando levar a efeito a cobrança do Imposto sobre Serviço que acha devido por aquele órgão, apurado em auto de infração. Em embargos à execução, o executado, patrocinado pela Advocacia Ruy de Mello Miller, contestou a validade da pretensão fiscal da Prefeitura, comprovando com elementos de convicção irrefutáveis a falta de amparo legal da ação do fisco. A Prefeitura, por sua vez, através dos respeitáveis argumentos de sua douta procuradora, impugnou os embargos, mas estes foram julgados procedentes pelo juiz do feito, em bem fundamentada sentença.

O caso se presta sob medida, à vista dos argumentos das partes e da sutileza dos elementos de convicção de que elas e o MM. Juiz se valeram, a uma profícua discussão acadêmica, à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência.

O auto de infração foi lavrado, segundo diz a Prefeitura em sua impugnação aos embargos, porque o fisco municipal entendeu que o órgão gestor de mão de obra devia aos cofres municipais, por se enquadrar na hipótese prevista no item 83 da lista do Código Tributário Municipal, CTM, o imposto sobre serviço de qualquer natureza, tributo cuja exigibilidade é legalmente da competência do município. De fato, esse item 83 da lista do CTM, transcrição do item 84 da lista de serviços tributáveis especificados pelo Decreto-lei nº 406/68, prevê como uma das hipóteses de ocorrência do fato gerador do tributo “recrutamento, agenciamento, seleção, colocação ou fornecimento de mão de obra, mesmo em caráter temporário, inclusive por empregador do prestador de serviço ou por trabalhadores avulsos por ele contratados.”

Ocorre que o mesmo Decreto-lei nº 406/68, em seu art. 8º estabelece que “ O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviço de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa.”

Portanto, para se poder enquadrar o OGMO-Santos no item 83 da lista do CTM ou no item 84 da lista do decreto-lei em exame, é preciso que esse órgão seja comprovadamente uma empresa, pois esta é a condicio sine qua non para ocorrer o fato gerador do tributo em questão. Pois bem, o OGMO-Santos é ou não é uma empresa? Que vem a ser uma empresa?

Segundo a impugnação da Prefeitura aos embargos do executado, empresa é um neologismo derivado do italiano impresa, “que tanto pode ser entendido como uma organização particular jurídica ou como aquilo que se empreende ou empreendimento (ver Novo Dicionário Aurélio – Ed. Nova Fronteira).”(sic).

Preferimos, entretanto, acreditar, com base em outras fontes lingüísticas, que empresa é um termo derivado dos vocábulos latinos prehensus e prehendere. Com efeito, no Diccionario Practico Ilustrado de Jayme de Seguier, Editado por Lello e Irmão, no Porto - Portugal, em 1947, encontra-se essa conotação: “ Empresa, s.f. (lat. prehensus, de prehendere, tomar). Empreendimento: o canal de Suez foi uma empresa arriscada. Associação para explorar uma indústria. Aqueles que dirigem ou administram essa associação.”

O Pequeno Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse, de Antonio Houaiss – Rio de Janeiro, 1979, também segue esta mesma linha de definição: “EMPRESA , s.f. Execução de um projeto, cometimento, empreendimento. Unidade econômica de produção: existem empresas privadas, públicas e de economia mista. ./ Negócio, sociedade comercial.”

Outro não é o entendimento encontrado no Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, Forense, Rio de janeiro, 2001: “EMPRESA. Derivado do latim prehensus, de prehendere (empreender, praticar), possui o sentido de empreendimento ou cometimento, intentado para a realização de um objetivo. No sentido do Direito Civil e do Direito Comercial significa empresa toda organização econômica, civil ou comercial, instituída para a exploração de um determinado ramo de negócio.”

Ora, o mesmo dicionário Koogan Larousse, dentre outras acepções do termo, define negócio, como empreendimento comercial, industrial, financeiro, e este é o sentido que lhe dá também o referido Vocabulário Jurídico, no texto que acabamos de citar. Lógica e conseqüentemente, no âmbito do Direito Civil ou Comercial, a palavra empresa significa organização que tenha por objetivo a exploração de um certo ramo de atividade econômica (indústria, comércio ou prestação de serviço) com fins lucrativos. Sim, porque ninguém em sã consciência vai gastar dinheiro para abrir uma indústria, um comércio ou uma agência de prestação de serviços objetivando ter prejuízo. Conseqüentemente, também, guardadas as diferentes acepções destes dois termos, empresa e negócio são expressões correlatas.

Em sua obra Aspectos Teóricos e Práticos do ISS, José Eduardo de Melo, advogado formado pela Universidade de São Paulo e Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC, define empresa como “organização técnico-econômica que se propõe a produzir, com a combinação de diversos elementos: natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realização de lucros, correndo riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade.” (p.12).

Mais adiante, à página 13 da mesma obra, o mesmo autor acrescenta: No sentido do Direito Civil e do Direito Comercial, empresa significa toda organização econômica, civil ou comercial, instituída para exploração de um determinado ramo de negócio.

Quanto à jurisprudência sobre o ISS, poderíamos citar alguns arestos do STF em que este tem levado em conta o fator lucro como elemento que caracteriza inequivocamente uma empresa prestadora de serviços, considerando-a sujeito passivo do tributo ISS. Para o STF, se uma associação civil recreativa presta serviços a terceiros e cobra um preço por esses serviços visando o lucro, ela se equipara a empresa e sobre tais serviços incide o ISS. Se, no entanto, na consecução de suas finalidades, ela presta serviço a seus sócios ou mesmo a seus empregados, sem nada cobrar deles como contraprestação, aquele egrégio pretório acha que não houve ocorrência de fato gerador e, portanto, não houve incidência tributária.

Pois bem, um OGMO, não se enquadra na definição de negócio ou de empresa, que são expressões assemelhadas, como se disse acima, porque é uma organização que não tem fins lucrativos e é considerada de utilidade pública. Com efeito, o diploma legal que criou os órgãos dessa natureza, alei nº 8630/93, conhecido como Lei de Modernização dos Portos, diz em seu Art. 25:

Art. 25. O órgão gestor de mão de obra é reputado de utilidade pública e não pode ter fins lucrativos, sendo-lhe vedada a prestação de serviços a terceiros ou o exercício de qualquer atividade não vinculada à gestão de mão-de-obra.

E a mesma lei estabelece no inciso IV de seu artigo 19 que ao órgão gestor de mão-de-obra compete arrecadar as contribuições destinadas ao seu custeio. Que contribuições são estas? As dos operadores portuários, que são os mantenedores do OGMO constituído por eles. De fato, a Lei nº 8630/93, a que estamos nos referindo, não deixa dúvidas sobre esse ponto de exegese, quando define, com clareza meridiana, em seu art. 1º § 1º, o que seja porto organizado, operação portuária e operador portuário:

Art. 1º. Cabe a União explorar, diretamente ou mediante concessão, o porto organizado.

§ 1º. Para os efeitos desta Lei consideram-se:

I – Porto organizado: o construído e aparelhado para atender as necessidades da navegação e da movimentação e armazenagem de mercadorias, concedido ou explorado pela União, cujo tráfego e operações portuárias estejam sob a jurisdição de uma autoridade portuária;

II – Operação portuário: a de movimentação e armazenagem de mercadorias destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, realizada no porto organizado por operadores portuários;

III – Operador portuário: a pessoa jurídica pré-qualificada para a execução de operação portuária na área do porto organizado;

A mesma lei dispõe sobre a criação dos OGMO e as atribuições desses órgãos em seu art. 18, que em parte transcrevemos:

Art. 18. Os operadores portuários devem constituir, em cad porto organizado, um órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário, tendo como finalidade:

I – administrar o fornecimento de mão-de-obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso;

II – manter, com exclusividade, o cadastro do trabalhador portuário e o registro do trabalhador portuário avulso;

III – promover o treinamento e a habilitação profissional do trabalhador portuário, inscrevendo-o no cadastro;

IV selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso;

V – expedir documentos de identificação do trabalhador portuário;

VI – arrecadar e repassar aos respectivos beneficiários, os valores devidos pelos operadores portuários, relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários.

Como se vê, o OGMO-Santos, além de não ser uma empresa, é uma organização legalmente considerada de utilidade pública. Esta última característica não lhe confere isenção tributária, que só é concedida por lei específica (Código Tributário Nacional – arts. 176 a 179), mas ressalta a sua importância para a coletividade. Conforme reza seu estatuto social, elaborado em estrita conformidade com os dispositivos da Lei nº 8630/93 que lhe são pertinentes, trata-se de uma sui generis entidade civil prestadora de serviços, pois não tem fins lucrativos e presta serviços exclusivamente aos seus associados, os operadores portuários de Santos, sendo só por eles financeiramente mantida, no que se assemelha a uma cooperativa.

Fica assim sobejamente demonstrado que a cobrança de Imposto sobre Serviços ao OGMO-Santos não encontra amparo na lei, na doutrina e na jurisprudência, pois essa entidade civil, pela sua constituição legal e estatutária de natureza singular e especial, é um mero gestor de mão-de-obra do trabalho portuário do porto organizado de Santos que presta serviços a seus associados e é por eles exclusivamente custeada, jamais uma empresa prestadora de serviços com fins lucrativos, sujeita a esse tributo.

* Yolando Raymundo Alves, advogado, ex-auditor fiscal do Tesouro Nacional, escritor, colaborador da Advocacia Ruy de Mello Miller.

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