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Dragagem: a necessidade de um novo modelo

RESUMO: O presente artigo aborda o problema da manutenção do canal de acesso dos portos, adotando como premissa inicial o novo perfil da administração dos portos traçada pela Lei nº 12.815, de 2013, que reproduz, infelizmente, problemas históricos. A seguir são apontadas as dificuldades de se promover uma reforma institucional, colocando o “condomínio portuário” como uma via alternativa que se enquadra na teoria do direito econômico do “institutional bypass”. São destacadas, ao final, as vantagens de se adotar a proposta de criação do “condomínio portuário” no Porto de Santos, pontuando que não existem amarras para que essa solução seja colocada em prática.

PALAVRAS-CHAVE: Direito econômico; infraestrutura; intervenção econômica no mercado; institutional bypass; dragagem.

ABSTRACT: This article discusses the issue of maintaining the port access channel, adopting as first premise the new management structure of the ports established by Law no. 12.815 of 2013, which unfortunately reproduces historical problems. Difficulties to promote an institutional reform are addressed later, and “condomínio portuário” is mentioned as an alternative which falls within the theory of economic law of the “institutional bypass”. The advantages of adopting the proposal to create the “condomínio portuário” in the port of Santos are emphasized, showing that there is nothing preventing this solution to be put into practice.

KEYWORDS: Economic law; infrastructure. government intervention in markets; institutional bypass; dredging services.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O novo perfil da administração do porto: as mudanças promovidas pela Lei nº 12.815, de 2013; 2 O histórico de dificuldades na manutenção da profundidade do canal de acesso e berços de atracação no Porto de Santos; 3 O condomínio portuário como hipótese de institutional bypass; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Abordamos o tema objeto deste artigo na edição nº 33 – julho/agosto de 2016 – dessa conceituada revista. Naquela oportunidade, desenvolvemos o raciocínio sobre possíveis modelos que poderiam substituir o atual na gestão do canal de acesso ao Porto Organizado de Santos. Desde então, a situação só se agravou: os prejuízos experimentados pelos navios, terminais e usuários são dramáticos. No dia 1º de julho de 2017, a imprensa repercutiu a redução do calado operacional de Santos (trecho 1: entrada do canal) em quase um metro. Isso, de forma repentina, sem qualquer comunicação prévia à comunidade portuária. Surpreendentemente, a draga estava sem operar há 8 dias, entre os dias 20 e 28 de junho – sem qualquer justificativa. Nesse período (inverno), é histórico o assoreamento do canal, fato público e notório.

No dia 25 de julho de 2017, fora deferida liminar judicial para suspender a dragagem do Porto de Santos, pois havia um conflito – intersecção de objetos? – entre dois contratos para dragar o Porto de Santos: um celebrado emergencialmente pela autoridade portuária e outro pelo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil. É difícil não adjetivar uma situação dessa.

Há mais de 100 anos, a dragagem do Porto de Santos é um limitante das operações e desenvolvimento do Porto. Na obra A crise do Porto de Santos[1] (1925), há o relato da Companhia de Navegação Allemã de que seus navios não entravam no Porto de Santos em razão da falta de profundidade (fls. 65). Na mesma obra (fls. 64),

a inferioridade de Santos se acentua, assumindo proporções impressionantes: [...] as companhias de navegação inglezas eram as primeiras a confessar que faziam frete mais barato da Europa para Buenos Aires do que da Europa para Santos, pois esse porto, além de difícil e de pequeno calado, era o mais caro do mundo na cobrança de taxas exigidas pela sua sumptuosa Companhia Docas.

Isso em 1912.

Pensamos que a adoção urgente de novo modelo é imprescindível para a sobrevivência do país, sem qualquer exagero. Por isso a relevância de se olhar para aquilo que se tem de mais moderno na seara do direito econômico.

O momento exige coragem para inovar. Os modelos existentes no arcabouço jurídico brasileiro não atendem à urgência e aos recorrentes problemas. As promessas de privatização das autoridades portuárias surgem em momentos dramáticos, como o presente, mas logo cedem espaço para o arraigado corporativismo público brasileiro. Além disso, são soluções que demandam muito tempo e intransponíveis obstáculos como os passivos das companhias Docas.

De qualquer forma, uma ruptura dramática em uma instituição nem sempre colhe os melhores resultados, sendo oportuno, nesse sentido, trazer a lume a teoria do institutional bypass.

A reflexão ora apresentada vai ao encontro das aspirações dos principais representantes do setor portuário, quiçá de todos aqueles que dependem e sofrem com os entraves da infraestrutura nacional.

Por conta disso, mostra-se imperativo pensar um pouco fora da caixa, com astúcia e coragem. Nessa esteira, construímos a ideia do condomínio portuário.

O “condomínio portuário” segue claramente essa premissa com a vantagem de constituir uma medida de impacto menor, considerando a desnecessidade de mudança do marco regulatório do setor, na medida em que se busca o desenvolvimento de um “projeto piloto” apenas e tão somente para o Porto de Santos.

1 O NOVO PERFIL DA ADMINISTRAÇÃO DO PORTO: AS MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA LEI Nº 12.815, DE 2013

Cumpre reconhecer que a promulgação da Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, trouxe mudanças significativas para o setor portuário, aprofundando a perspectiva de livre concorrência com a supressão da diferença que existia entre os terminais de uso público e de uso privativo em função da titularidade da carga a ser movimentada.

Notadamente houve uma mudança da política econômica do Estado em relação ao setor portuário, fortalecendo a regulação e o planejamento exercido diretamente pelo poder concedente.

Nesse sentido, destaca-se a aguçada percepção de Carlos Ari Sundfeld[2]:

Aí veio a Lei dos Portos de 2013, que revogou a lei de 1993 e alterou as demais. O que mais chama atenção é que ela consolida a centralização da autoridade no Executivo (Presidente da República e Secretaria de Portos). Todo o poder agora está com ele. O executivo planeja globalmente o setor, disciplina quase tudo o que importa nas outorgas e as expede concretamente (arts. 15 e 16).

Em resumo, esse movimento provocou a transferência de muitas funções que antes eram exercidas localmente pelas autoridades portuárias para o Poder Executivo Federal, demonstrando que elas estariam mais relacionadas ao exercício do poder de polícia do que à gestão dos respectivos portos.

Assim, por exemplo, a autoridade portuária continua realizando a pré-qualificação do operador portuário, porém esse procedimento passa a ser realizado observando as normas estabelecidas pelo poder concedente.

Da mesma forma, a autoridade portuária perdeu a sua antiga competência para fixação dos valores das tarifas portuárias, restando-lhe apenas o papel de agente arrecadador dessas tarifas.

Por sua vez, a fixação do horário de funcionamento do porto e a organização da guarda portuária continuam sendo atribuições da autoridade portuária, mas precisam estar em conformidade com a regulamentação ou diretrizes do poder concedente.

A autoridade portuária deixa de comandar os respectivos procedimentos de apuração de infrações administrativas praticadas pelos operadores portuários, cabendo a ela, pela nova sistemática, comunicar a ocorrência de condutas contrárias às normas e regulamentos à agência reguladora que deverá instaurar os respectivos procedimentos administrativos para aplicação das penalidades previstas em lei, nos regulamentos e nos contratos administrativos.

Paralelamente a isso, a execução das obras de dragagem do canal de acesso e a [TA1] dos berços dos portos brasileiros passaram a ser incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), demonstrando o fortalecimento da atuação direta da então Secretaria de Portos da Presidência da República.

Está claro, portanto, que o perfil da administração do porto foi modificado, passando a representar muito mais um agente de fiscalização e execução das determinações do Poder Executivo central em detrimento de um papel mais estratégico de administração.

Corrobora esse pensamento a constatação de que a Lei nº 8.630, de 1993, falava apenas em administração do porto. Atualmente, esse conceito sofreu o acréscimo da expressão “porto organizado”, de forma que não existe mais administração do porto, mas sim administração do porto organizado.

Em nenhum diploma legal nada é feito por acaso. A limitação da administração ao porto organizado tem relação direta com a mudança que culminou na definição dos terminais de uso privado[3].

Com a promulgação da nova lei dos portos, a administração do porto deixa de ter qualquer influência sobre as instalações portuárias que se localizam fora da área do porto organizado, demonstrando novamente o propósito de concentração dos atos de gestão no próprio poder concedente.

Outrossim, os particulares tinham uma possibilidade maior de influenciar diretamente a administração dos portos pela atuação no Conselho de Autoridade Portuária (CAP).

Contudo, foi promovido um esvaziamento das competências do CAP, que passou a ser considerado somente um órgão consultivo da autoridade portuária. Nesse ponto, destaca a doutrina[4] que:

Como se vê, o CAP, pelo novo ordenamento jurídico, deixou de exercer as atividades anteriores administrativas, normativas, de supervisão e deliberativas normativas, ficando restrita às funções consultivas de apoio à administração do porto, postando-se, portanto, como mero órgão auxiliar dessa administração.

Pode-se discutir especialmente nessa questão se o distanciamento dos representantes das instalações portuárias das decisões estratégicas em relação à infraestrutura terrestre e marítima de um porto produziu uma política de desenvolvimento mais eficaz para o setor.

Há que se ponderar, assim, sobre o novo papel da regulação do setor portuária, considerando claramente a perspectiva de que regular é produzir Direito, não apenas observar e analisar questões técnicas e econômicas.

Por tudo isso, cabe considerar que a mudança do perfil da administração do porto atende a uma racionalidade econômica e jurídica que pode e deve ser aprofundada com maior participação dos agentes econômicos diretamente envolvidos em busca de iniciativas capazes de provocar a melhoria da rede de transportes e a redução dos custos relacionados às atividades do comércio exterior.

2 O HISTÓRICO DE DIFICULDADES NA MANUTENÇÃO DA PROFUNDIDADE DO CANAL DE ACESSO E BERÇOS DE ATRACAÇÃO NO PORTO DE SANTOS

O Brasil apresenta certamente um problema crônico e histórico em relação ao desenvolvimento de políticas de transporte. Não existe uma preocupação de realizar a integração entre os diferentes modais, e muito menos de se observar as metas previamente definidas.

O Porto de Santos não escapa dessa realidade. Observa-se, por exemplo, que todos os parâmetros definidos no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto em relação à profundidade do canal de acesso e berços de atracação não são observados.

Com efeito, a sua dificuldade de atender a demanda do transporte marítimo internacional se repete ao longo dos anos, como demonstra a seguinte passagem de um livro escrito em 1925[5] sobre os problemas do Porto de Santos:

Mas o seu vício capital é o seu pequeno calado, que o colloca em condições de inferioridade em relação aos grandes portos mundiaes.

Com effeito, segundo dados officiaes, a profundidade junto à muralha do cães, em águas mínimas, são as seguintes: 7 metros em 2.271 metros de cães e 8 metros em 2.449 metros.

No ancoradouro e no canal de accesso, as sondagens recentemente executadas pela fiscalização do porto accusaram a profundidade mínima de 8 metros. No banco da barra a profundidade mínima verificada foi de 9 metros.

Ora, taes profundidades são inadmissíveis num grande porto moderno, deante dos progressos, crescentes da construção naval.

Lançam-se ao mar navios cada vez maiores, para com o augmento da capacidade destes, conseguir-se o barateamento dos fretes. Deante destes progressos, a inferioridade de Santos se accentúa, assumindo proporções impressionantes, das quaes dão a justa medida alguns factos expressivos, assim relatados num estudo recém-publicado:

Essa inadequação se faz presente até os tempos atuais e não existe uma perspectiva concreta de mudança.

O Porto de Santos é considerado o maior complexo portuário da América Latina, conforme dados levantados pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), da Organização das Nações Unidas em 2016[6], e o crescimento em sua atividade tem sido contínuo, porém são observados problemas recorrentes como o que se encontra destacado nesse capítulo.

O atual modelo institucional de administração dos portos funciona com a máquina pública os regendo, e esse padrão tem revelado ineficácia do Poder Público, vez que há muitos obstáculos para a manutenção do seu canal de acesso, tais como:

· dificuldades na manutenção das profundidades;

· resistência a contratos de longos prazos;

· necessidades de licitações periódicas com elevado custo;

· licitações desertas, que evidenciam risco político, cambial e orçamentário.

Demonstra-se, com isso, que o atual modelo não tem se mostrado capaz de prover a infraestrutura necessária para atender as relações dinâmicas do comércio exterior, especialmente em um ponto que as operações portuárias necessitam para se colocar dentro de um patamar ótimo de eficiência.

Trata-se de questão de extrema importância, movendo as discussões dos especialistas em infraestrutura:

Atualmente, o que se observa é uma grande carência por parte de diversas atividades econômicas, especialmente àquelas destinadas ao mercado internacional, que não contam com infraestrutura de transporte adequada para suprir suas demandas.[7]

As obras e serviços de dragagem exigem a continuidade na prestação, sendo notório que inobservância desse requisito traz prejuízos de ordem diversa. A diminuição da profundidade no canal de acesso é um fator que influencia diretamente as relações comerciais exercidas diariamente nos portos, pois a profundidade reflete no porte das embarcações que podem atracar, reduzindo a quantidade de carga no porto.

Verifica-se, inclusive, que, em data recente, as empresas do Porto de Santos foram surpreendidas com a redução de um metro do canal de acesso, fato que se estendeu por mais de um mês até o restabelecimento da profundidade inicial de 13,20 metros.

Os prejuízos experimentados pela não entrega dos serviços esperados são vultosos. Alguns levantamentos relacionados pelas associações do setor estimam um prejuízo de aproximadamente R$ 153,5 milhões de reais devido à restrição de um mês observada no canal de acesso do Porto de Santos.

No mesmo sentido, acredita-se que os problemas destacados resultam em um prejuízo anual estimado de R$ 60 milhões de reais para cada terminal de contêiner e de R$ 36 milhões de reais para os terminais de granel sólido.

Em contrapartida se teria uma perda anual mínima de R$ 108 milhões de reais em tarifas pelas limitações impostas pela incapacidade de manter a profundidade adequada no canal do Porto de Santos.

Não por acaso, grandes empresas do transporte internacional marítimo estão revisando as suas escalas de forma a diminuir a operação no Porto de Santos, o que torna premente a necessidade de se buscar uma solução para a questão ora destacada.

Cabe destacar que esse problema não é exclusivo do Porto de Santos. Outros portos do País sofrem com a sedimentação de partículas em seus respectivos canais de acesso, exigindo a constante dragagem, como demonstra a iniciativa da Secretaria Nacional de Portos de promover uma audiência pública[8] para debater o atual modelo jurídico da dragagem nos portos brasileiros.

Em resumo, pode-se arriscar a afirmação de que existe um problema institucional e histórico sobre a concretização de políticas nacionais de transporte, com destaque especial para o problema que afeta o Porto de Santos no tocante à manutenção da profundidade do canal de acesso e dos berços de Atracação.

3 O CONDOMÍNIO PORTUÁRIO COMO HIPÓTESE DE INSTITUTIONAL BYPASS

Considerando que o direito é um elemento vivo que pode e deve ser adaptado às circunstâncias que são postas, tem-se a possibilidade de discutir, nesse caso concreto, uma solução jurídica para tentar resolver os problemas indicados no tópico anterior.

É válido ponderar, nesse ponto, se a solução proposta trará maior ou menor ruptura em relação ao quadro institucional estabelecido e como isso poderá acarretar maiores chances de sucesso em relação ao objetivo almejado.

Seguindo esse princípio, merece destaque a teoria defendida por Mariana Mota Prado[9] sobre a reforma de instituições disfuncionais denominada institutional bypass.

Tal teoria encontra inspiração direta na escola institucionalista americana de economia, que se baseia na análise da ação coletiva do Estado e outras instituições para compreensão da economia, dando ênfase à legislação como elemento de mudança social[10].

Conforme a definição Douglas North[11]:

Institutions are the rules of the game of society, or, more formal, are the humanly devised constraints that structure human interactions. They are composed of formal rules (statute law, common law, regulation), informal constraints (conventions, norms of behaviour and self-imposed codes of conduct), and the enforcement characteristics of both.

Como não poderia deixar de ser, a experiência brasileira sobre o direito econômico contempla esses instrumentos de conformação das atividades econômicas, notadamente pelos inúmeros dispositivos sobre esse tema que estão presentes na Constituição Federal de 1988.

Interessante perceber que há uma dicotomia no termo “ordem econômica” identificada por Eros Roberto Grau[12], o qual vislumbra a sua aplicação na parcela da ordem jurídica (dever ser) que forma exatamente o conjunto de normas que institucionaliza determinada ordem econômica (mundo do ser).

Contudo, a distância entre o mundo do dever ser e a realidade concreta é um dos problemas mais relevantes do direito econômico.

Esse problema é tratado pela teoria do institutional bypass, que reconhece a dificuldade dos países subdesenvolvidos na realização de esforços para reformar as instituições de modo a criar incentivos às atividades produtivas nas franjas do capitalismo central.

Assim, destaca Mariana Prado[13] que:

An institutional perspective on development argues that developing and transitional economies struggle because institutions create incentives that are ill-suited for economic growth: “Third World countries are poor because the institutional constraints define a set of payoffs to political/economic activity that do not encourage productive activity”. These assumptions were tested and a number of authors have now concluded that there is empirical basis to support the idea that institutions do matter for development.

Com absoluta certeza, observa-se uma dificuldade clara do atual modelo em atender à necessidade de manutenção da profundidade do canal de acesso do Porto de Santos, mesmo que se tenha observado, nos últimos anos, diversas iniciativas para tentar resolver essa questão.

Por exemplo, a promulgação da Lei nº 11.610, de 2007, estabeleceu um modelo de obra pública com dragagem por volume, definindo:

i) o aumento do prazo para contratação da dragagem para até 5 anos, prorrogáveis uma única vez;

ii) a possibilidade de contratação da ampliação juntamente com a manutenção da profundidade;

iii) a adoção do modelo de contratação por resultado;

iv) a autorização de participação de empresas estrangeiras, entre outras mudanças.

Considerando esse diploma legal, foram abertos procedimentos licitatórios que resultaram em contratação de empresas para a realização da dragagem, porém os preços praticados permaneceram elevados, os resultados não foram satisfatórios – com destaque para o Porto de Santos, onde sequer foi entregue a profundidade contratada inicialmente.

Paralelamente a isso, tem-se o registro de diversos procedimentos licitatórios que restaram desertos, bem como a celebração de contratos de emergência para suprir a necessidade de continuidade do serviço. Em tempo, como reflexo de tais intercorrências, muitas escolhas tornaram-se objeto de ação civil pública, demonstrando a incapacidade do modelo institucional escolhido.

Com a promulgação da Lei nº 12.815/2013, foi lançado o segundo Programa Nacional de Dragagem (PND II), que aumentou o prazo dos contratos para até 10 (dez) anos e autorizou a contratação das obras e serviços de dragagem através do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC).

Não obstante, essa iniciativa não produziu resultado satisfatório. Até agora, não se celebrou nenhum contrato com o prazo estendido de 10 (dez) anos, estando claro que o problema vem se agravando ano a ano.

Observa-se, inclusive, o fato de instalações portuárias serem compelidas a realizar, por conta própria, a dragagem de seus respectivos berços, o que tem provocado até mesmo a apresentação de pedidos de reequilíbrio econômico e financeiro.

É inquestionável, assim, que o modelo institucional vigente encontra-se fadado ao insucesso, não havendo sequer uma perspectiva de solução a médio ou longo prazo, de forma que se torna necessário pensar em alternativas capazes de garantir a segurança dos investimentos que são realizadas pelas empresas responsáveis pelas operações portuárias.

A entrega de uma profundidade inadequada do canal de acesso do Porto de Santos prejudica diretamente a capacidade de as instalações portuárias dessa região adaptarem-se ao volume e à escala atual do transporte marítimo internacional, colocando o principal porto do Brasil em um plano secundário no cenário mundial.

As regras e estruturas atuais notadamente se mostram incapazes de satisfazer a entrega do bem jurídico desejado pelas empresas que atuam no Porto de Santos, sugerindo uma possível reforma.

Contudo, modificar substancialmente o arcabouço jurídico que caracteriza uma instituição é uma tarefa árdua e de resultado incerto que precisa ser devidamente ponderado.

Com efeito, exige-se planejamento para reforma devido à magnitude do setor portuário. Não cabe incorrer nos mesmos erros de um passado recente. A dissolução da Empresa de Portos do Brasil (Portobrás)[14], sem uma sucessão claramente definida, representa uma iniciativa que deve ser evitada.

Identificar os obstáculos a que se encontra submetida à reforma de uma instituição é um elemento de grande valia para que ela venha a ser bem-sucedida.

Em princípio, o primeiro obstáculo à reforma institucional encontra-se na falta de recursos financeiros, humanos e tecnológicos para o Estado promover mudanças no quadro que se encontra posto.

Salvo melhor juízo, não é este o problema da manutenção da profundidade do canal de acesso do Porto de Santos. A Companhia Docas do Estado de São Paulo arrecada sistematicamente valores suficientes para arcar com os valores relativos à contratação dessas obras e serviços, não sendo possível falar em dificuldades de acesso à tecnologia e recursos humanos para fazer frente a essa atividade tendo em vista a presença de inúmeras empresas com capacidade técnica para atender essa atividade.

O segundo obstáculo apontado por Prado encontra-se nos problemas políticos e econômicos. A situação da instituição existente pode constituir uma vantagem para determinados grupos econômicos que ofereceriam resistência à reforma institucional para não perder os seus privilégios.

Esse quadro não se encontra presente nesse caso concreto. As constantes disputas judiciais e incertezas promovidas pelo atual modelo de contratação estão longe de representar um privilégio ou uma situação de vantagem para as empresas que realizam os serviços de dragagem.

Os valores observados nos contratos atuais podem estar até em um patamar superior a média do mercado internacional, porém essa condição pode ser justificada pelos riscos técnicos e financeiros existentes nesse tipo de contratação. Se eu tenho contratações instáveis e mais arriscadas, necessariamente o valor ofertado será maior do que o normal, mas isto não significa um benefício aos contratados.

Finalmente, o terceiro obstáculo indicado é denominado como o fator social, cultural e histórico. Ele envolve uma série de valores sociais, normas e práticas de um dado contexto que podem propiciar um ambiente hostil à reforma.

Não é difícil imaginar que pessoas pertencentes ao quadro da Companhia Docas do Estado de São Paulo possam demonstrar certa resistência em admitir uma possível mudança do atual status quo, permitindo que outras pessoas venham a articular a contratação dos serviços de dragagem.

Contudo, até mesmo essas pessoas são forçadas a reconhecer que o modelo atual de contratação de obras e serviços de dragagem está cercado de muitos pontos prejudiciais independentemente dos seus respectivos esforços. O universo de pessoas que podem ser beneficiadas por uma mudança institucional nesse caso supera em muito os eventuais pontos de resistência.

Mesmo assim, não se deve ignorar que as normas jurídicas que regulam o setor portuário foram objeto de mudanças importantes nos últimos anos, de forma que mudar drasticamente todo regime de administração do porto nesse momento pode não trazer os resultados esperados, aumentando as incertezas, prejudicando ainda mais futuros investimentos.

Cabe se preservar aquilo que Poulantzas[15] denominou de “le besoin de calcul de prévision”, ou seja, a necessidade de permitir que os agentes econômicos, no interior de um mercado extremamente complexo, no qual o ganho voltado à acumulação de capital joga um papel preponderante, observem uma justiça e uma administração cujo funcionamento possa ser, em princípio, calculado racionalmente.

Assim, mesmo que todos os problemas enumerados acima sobre a manutenção do canal de acesso do Porto de Santos possam constituir uma janela de oportunidade, fica a dúvida se a mudança necessária que deve atingir esse porto organizado pode ser ampliada imediatamente aos outros portos brasileiros.

A realidade do nosso país é muito complexa. Existem portos com características e objetivos muito diferentes. Uma resposta encontrada para Santos talvez não satisfaça[TA2] as necessidades do Porto de Rio Grande ou Manaus. Por isso se torna recomendável que a reforma seja feita de forma pontual pela dificuldade de se recompor uma instituição depois de ela ser alterada, ainda que essa instituição se mostre, de início, disfuncional.

Certamente, uma alternativa para sobrepujar os obstáculos relacionados à reforma institucional encontra-se naquilo que Prado[16] denomina como institutional bypass, sendo este considerado da seguinte forma:

An institutional bypass is analogous to a road bypass. A road by-pass goes around a town or village, allowing drivers to deviate from the town centre, avoiding the slower speed limits and possibly traffic jams. Similarly, an institutional bypass creates a new pathway around clogged or blocked institutions.

In this context, the road bypass offers a compromise: it reduces traffic in the city centre (reducing noise, pollution and increasing safety), while at the same time allowing drivers to travel at a faster pace. Institutional bypasses use the same strategy: they do not try to modify, change or reform existing institutions. Thus, they do not affect the interests of those who want to maintain existing institutions. At the same time, bypasses create a new pathway in which efficiency and functionality will be the norm, attending to the interests of those who are unhappy with the existing institutions and want change. The advantage an institutional bypass is that, instead of reforming or changing existing dysfunctional institutions, reformers can just go around them.

Pode-se notar, assim, que a adoção do institutional bypass como modelo de concentração de esforços iniciais para a reforma de uma instituição apresenta benefícios importantes como, por exemplo:

a) ela preserva a instituição originária;

b) ela cria uma alternativa para cumprir as funções estatais;

c) ela é possivelmente mais eficiente e funcional que a instituição originária;

d) ela altera apenas um ponto específico do sistema.

A proposta recente de criação do chamado “condomínio portuário” no Porto de Santos atende diretamente às expectativas do institutional bypass, porquanto ela preserva o modelo atual de administração do porto, criando um novo caminho para atingir um fim que não está sendo alcançado, abrangendo claramente uma perspectiva de maior eficiência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando tudo o que foi exposto no presente artigo, pode-se afirmar que o problema da manutenção do canal de acesso dos portos brasileiros é institucional, resistindo por um longo tempo, apesar das inúmeras tentativas de tornar mais eficiente a contratação pública desse serviço. Os prejuízos são incomensuráveis, sendo o maior deles talvez o fato de relegar as futuras gerações de brasileiros a um papel secundário na história.

Se não conseguimos prover uma infraestrutura adequada para o escoamento da produção nacional, o tão almejado desenvolvimento econômico restará prejudicado. Isto justifica claramente que sejam tomadas iniciativas para transpor os obstáculos identificados ao longo desse caminho.

Mesmo os terminais de uso privado sofrem ou continuarão sofrendo com os gargalos logísticos de nosso país, visto que eles dependem de estradas de acesso, ferrovias, energia elétrica e manutenção do canal de acesso e respectiva dragagem de manutenção.

O condomínio portuário, mais do que uma mera abstração, é uma realidade. Nada impede que as instalações portuárias promovam esforços conjuntos de modo a atender a demanda atual de escala e capacidade instalada. Um exemplo disso é a iniciativa realizada pelas empresas Usiminas e Ultrafértil para promover a contratação conjunta da dragagem do canal de Piaçaguera, rateando os custos e atendendo a premissa de continuidade de seus serviços[17].

Não há nada que impeça que esse tipo de experiência seja reproduzida em escala maior, muito pelo contrário. A incapacidade do atual modelo de administração do porto em garantir uma retribuição justa aos valores arrecadados a título de tarifas portuárias recomenda claramente essa tentativa, considerando nesse aspecto, inclusive, as recentes mudanças promovidas pela Lei nº 12.815, de 2013.

Como demonstrado anteriormente, houve um movimento de centralização das competências para o Poder Executivo Federal de modo que a administração do porto perdeu funções relacionadas ao planejamento, normatização, fixação de valores de tarifa, bem como a elaboração dos certames e assinatura dos respectivos contratos de arrendamento, restando a ela o exercício do poder de polícia e a execução das determinações do poder concedente.

Se a administração do porto resume-se à execução do quanto determinado pelo poder concedente, porque não permitir que seja constituído um organismo particular autônomo e paralelo, cooperando com a administração do porto sobre questões de interesse comum como a manutenção do canal de acesso do porto organizado? Por que não permitir que essa nova pessoa jurídica de direito privado esteja à frente das relações jurídicas estabelecidas para a realização de obras e prestação de serviços de dragagem?

Certamente a ruptura completa e definitiva do atual modelo de administração do porto pode representar uma aposta muito alta e de consequências imprevisíveis, por isso convergir esforços para um local crítico, no qual a ampla maioria dos envolvidos mostra-se favorável à iniciativa do condomínio portuário, pode ser um caminho interessante para se traçar futuramente a reforma institucional definitiva.

Nesse ponto, a teoria do institutional bypass aplica-se perfeitamente, permitindo que seja testada uma alternativa dentro de uma perspectiva de maior eficiência, ao mesmo tempo em que se vencem obstáculos como os aspectos socioculturais que poderiam provocar um ambiente hostil à reforma completa da instituição.

A convivência de dois organismos diferentes para exercer uma função comum pode até parecer uma redundância, contudo o ambiente de experimentação criado pode servir para a construção de um modelo definitivo de uma instituição que seja finalmente capaz de dar cabo à necessidade de manutenção de uma infraestrutura aquaviária adequada, evitando os desperdícios financeiros e de esforços, permitindo que o Brasil siga a caminho de se tornar um local adequado às práticas modernas do transporte internacional marítimo, contribuindo, com isso, para toda cadeia produtiva do País.

Como nota final deste trabalho, vale parafrasear o poeta para dizer que chega do lirismo comedido, bem comportado, chega de soluções puristas e que não consideram o direito como instrumento de transformação. Não é ousar muito acalentar a proposta do “condomínio portuário”.

REFERÊNCIAS

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[1] Estudo preliminar elaborado pela Associação Comercial de São Paulo, 1925.

[2] SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002; ______. O caminho do desenvolvimento na Lei dos Portos: centralizar para privatizar? In: MOREIRA, Egon Bockamnn (Coord.). Portos e seus regimes jurídicos: a Lei nº 12.815/2013 e seus desafios. Belo Horizonte: Fórum, 2014.

[3] Lei nº 12.815, de 2013, art. 2º, IV: “Terminal de uso privado: instalação portuária explorada mediante autorização e localizada fora da área do porto organizado; [...]”.

[4] SILVA, Francisco Carlos de Morais. O conselho de autoridade portuária e a autoridade portuária. In: SILVA FILHO, Nelson Cavalcante e; WARDE JR., Walfrido Jorge; BAYEUX NETO, José Luiz (Org.). Direito marítimo e portuário: novas questões. São Paulo: Quartier Latin, 2013.

[5] Associação Commercial de S. Paulo. A crise do Porto de Santos, 1925, p. 63-64.

[6] Jornal A Tribuna. Porto&mar. Disponível em: <http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/porto%26mar/porto-de-santos-e-o-no-1-em-movimentacao-da-america-latina/?chash=44d79dd9abf900ae49e6b85bd26f2fed>. Acesso em: 16 ago. 2017.

[7] FEIGELSON, Bruno. Curso de direito da infraestrutura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 73.

[8] Disponível em: <http://www.portosdobrasil.gov.br/home-1/noticias/ministro-abre-segunda-audiencia-publica-para-discutir-concessao-de-dragagem>. Acesso em: 18 ago. 2017.

[9] PRADO, Mariana Mota. Institutional bypass: an alternative for development reform (April 19, 2011). Available at SSRN: <https://ssrn.com/abstract=1815442> or <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1815442>.

[10] COMMONS, John R. Institutional economics. Its place in political economy. Volume One. Madison: The University of Wisconsin Press, 1959.

[11] NORTH, Douglas C., 1995 apud PRADO, Mariana Mota, 2011.

[12] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 70.

[13] PRADO, Mariana Mota. Op. cit., 2011. p. 06.

[14] Decreto nº 99.226, de 1990, art. 1º, II.

[15] POULANTZAS, Nicos, 1965 apud GRAU, Eros Roberto, 2010.

[16] PRADO, Mariana Mota. Op. cit., 2011. p. 19.

[17] Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/3714550/cade-aprova-consorcio-entre-usiminas-e-salus-para-atuacao-em-santos>. Acesso em: 18 ago. 2017.

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