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Lei n° 14.599/2023: inovações aos seguros no transporte rodoviário de cargas e fim da DDR

A Lei nº 14.599/2023 [1] tem origem no Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 10/2023, o qual, por sua vez, buscou a conversão da Medida Provisória (MP) nº 1.153/2022 em lei. Entre outras estipulações no escopo da norma, tem-se a alteração da Lei nº 11.442/2007 [2], para dispor sobre seguro de cargas, trazendo novas previsões sobre a contratação dos seguros de responsabilidade civil no transporte rodoviário de cargas. Pontos específicos da lei serão regulamentados após deliberações conjuntas entre a Confederação Nacional do Transporte (CNT) e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP). [3]


O normativo possui opiniões divergentes entre juristas, economistas e players do setor. De um lado, aqueles que são contrários às novas disposições invocam o “Custo Brasil” e alegam que será gerada uma despesa adicional ao transportador, a ser suportada pelo destinatário final (consumidores) [4]. Do outro lado, os defensores das mudanças sustentam que muitos custos que antes sequer eram provisionados estarão, agora, devidamente incluídos em planilha de maneira transparente, reduzindo as “despesas surpresa” que, ao final, encareciam o valor do frete. [5]


O principal motivo de divergência é que, entre as novidades, tornaram-se de contratação obrigatória as três modalidades de seguro de responsabilidade civil: (i) do transportador rodoviário de carga (RCTR-C) [6]; (ii) do transportador rodoviário por desaparecimento de carga (RC-DC) [7]; e (iii) de veículo (RC-V) [8].


Antes, somente o RCTR-C era obrigatório, sendo praxe a sua contratação pelos transportadores. O RD-DC, por sua vez, acabava sendo substituído pela emissão de uma Carta de Dispensa do Direito de Regresso (DDR) pela seguradora do contratante do serviço (embarcador) ao transportador; porém, a mínima suspeita de descumprimento de determinados requisitos pelo transportador – como aqueles contidos no Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR) - tinha o condão de estimular a seguradora a ajuizar uma ação de regresso após o pagamento do sinistro ao embarcador.


Já a contratação do RC-V era praticada em pouquíssimos casos, devido, principalmente, aos altos custos desse tipo de seguro para cada operação de transporte – o que acarretava em um risco assumido pelas empresas de transporte de cargas, que, inevitavelmente, reflete no custo final do frete.


Agora, todos esses seguros, além de obrigatórios, são de contratação exclusiva do transportador. Isso não impede a contratação, pelo embarcador, de seguro facultativo para cobertura das perdas e danos dos bens e mercadorias de sua propriedade; contudo, eventual emissão de carta DDR não terá mais eficácia, ao passo em que o transportador estará obrigado a contratar seu próprio seguro de responsabilidade civil. A princípio, emerge um novo ônus aos transportadores, mas contrapesos estão previstos.


Pois bem. A norma busca equilibrar as novas obrigações com a estipulação de apenas uma apólice por Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) para cada ramo de seguro, sendo a apólice única obrigatória para o RCTR-C e o RC-DC, e facultativa para o RC-V; neste último caso, a lei prevê que a apólice poderá ser globalizada para toda a frota do segurado, com cobertura mínima de 35.000 Direitos Especiais de Saque (DES) para danos corporais e de 20.000 DES para danos materiais.


Além disso, os seguros RCTR-C e RC-DC deverão estar vinculados ao PGR, que, apesar de agora ser definitivamente obrigatório, será estabelecido de comum acordo entre o transportador e a seguradora. Desse modo, com a prévia participação da seguradora no PGR do segurado, limitar-se-ão as hipóteses de interpretação da seguradora com vistas à negar a cobertura do sinistro.


Ademais, no caso do contratante do frete exigir obrigações ou medidas adicionais, relacionadas a operação e/ou ao gerenciamento da carga, então os custos e despesas deverão por ele ser arcados. Em outras palavras, havendo necessidades de coberturas adicionais a pedido do embarcador, este deverá suportar os respectivos prêmios, eximindo o transportador deste custo.


Sabiamente, a lei também buscou guarnecer os transportadores autônomos de cargas (TAC’s) no caso de subcontratação pelas transportadoras. Nesse caso, os seguros RCTR-C e RC-DC deverão ser firmados pela transportadora contratante, emissora do conhecimento e do manifesto de transporte, sendo o TAC considerado preposto do tomador do serviço, não cabendo sub-rogação da seguradora contra este. Quanto ao RC-V, além de também ser firmado pela transportadora contratante, será feito por viagem (operação de transporte), em nome do TAC subcontratado.


Soma-se a isso que é vedado aos embarcadores e às transportadoras (sejam empresas ou cooperativas de transporte) efetuar desconto dos valores do seguro e taxas administrativas do frete a favor do TAC, sob pena de indenizarem o TAC duas vezes o valor do frete contratado.


Por fim, vale destacar que o contratante do frete poderá exigir do transportador cópia da apólice de seguro com as condições, o prêmio e o gerenciamento de risco contratados. Isso é importante para dar efetividade às demais previsões legais – como a possibilidade de o embarcador contratar cobertura para riscos adicionais, às suas expensas -, bem como garantir o compliance regulatório do transportador, que estará sob o rigor crivo fiscalizatório da Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT), além do olhar dos órgãos aqui já citados (CNT e SUSEP).


As mudanças trazidas pela Lei nº 14.599/2023 são bem-vindas, ao passo em que simplificam procedimentos, promovem maior segurança viária, garantem segurança jurídica às partes envolvidas na ocorrência de sinistros, e aprimora a transparência e a previsibilidade dos custos e riscos do transporte de cargas no país. Se o impacto no valor do frete será positivo ou negativo, isso somente o tempo dirá. Na verdade, isto decorre muito mais da importância de um mercado competitivo, no qual deve prevalecer a livre concorrência.


O que mais importa, no momento, é a garantia de direitos que o novo regramento traz ao setor e a todos envolvidos, direta ou indiretamente, com o transporte rodoviário de cargas.


Nada obstante o embate sobre a lei, fato é que novas regras surgiram e devem ser cumpridas pelos transportadores, bem como observadas por todos os atores deste tão importante ramo que representa cerca de 29% da economia nacional [9] – afinal, mais de 60% de toda a produção nacional é transportada pelo modal rodoviário. [10] Espera-se que novas regulações advenham para tornar o transporte mais seguro e eficiente, o que irá refletir positivamente a todo desenvolvimento nacional.


 

[1] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14599.htm Acesso em: 18 set. 2023. [2] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11442.htm Acesso em: 18 set. 2023. [3] Disponível em: https://cnt.org.br/agencia-cnt/cnt-e-susep-discutem-regulamentacao-da-lei-do-seguro-de-cargas Acesso em: 18 set. 2023. [4] Disponível em: https://brasil61.com/n/mudancas-na-contratacao-de-seguros-de-cargas-podem-aumentar-o-custo-brasil-pind234017 Acesso em 18 set. 2023. [5] Disponível em: http://www.guiadotrc.com.br/noticias/noticiaID.asp?id=37855 Acesso em 18 set. 2023. [6] Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Carga (RCTR-C), para cobertura de perdas ou danos causados à carga transportada em consequência de acidentes com o veículo transportador, decorrentes de colisão, de abalroamento, de tombamento, de capotamento, de incêndio ou de explosão. [7] Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário por Desaparecimento de Carga (RC-DC), para cobertura de roubo, de furto simples ou qualificado, de apropriação indébita, de estelionato e de extorsão simples ou mediante sequestro sobrevindos à carga durante o transporte. [8] Responsabilidade Civil de Veículo (RC-V), para cobertura de danos corporais e materiais causados a terceiros pelo veículo automotor utilizado no transporte rodoviário de cargas. [9] Disponível em: https://portal.fgv.br/noticias/relacao-entre-transporte-rodoviario-carga-e-pib-pode-chegar-29-segundo-calculos-fgv Acesso em: 18 set. 2023. [10] Disponível em: https://mobilidade.estadao.com.br/patrocinados/modal-rodoviario-transporta-mais-de-60-da-carga-no-brasil/ Acesso em: 18 set. 2023.

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