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A ADOÇÃO DO HOME OFFICE COMO MEDIDA DE CONTENÇÃO EM CASO DE UMA PANDEMIA E SUAS IMPLICAÇÕES


Já tivemos a oportunidade de escrever sobre o avanço global do coronavírus e a adoção de medidas de contingência no contexto das relações de trabalho[1]. Aliando o dever de preservação do bem-estar de funcionários à necessidade de manutenção da capacidade operacional, as companhias de todo mundo têm restringido a presença de trabalhadores nos estabelecimentos físicos por meio de mecanismos que não impliquem prejuízo, ou pelo menos significativo prejuízo, ao ritmo de produção. Como principal iniciativa, para as atividades que assim o permitam, certamente figura o “home office”.

No Brasil, muitas empresas ainda não estão habituadas à cultura ou simplesmente não contam com uma política de “home office”, porém se veem forçadas a apelar para essa modalidade de trabalho à distância por força das circunstâncias. É comum, assim, que surjam dúvidas acerca de seus possíveis desdobramentos. Além dos aspectos legais, há até mesmo preocupação relacionada à produtividade dos colaboradores. Afinal, para tais empregadores, trata-se de uma verdadeira quebra de paradigma.

Vamos, então, discorrer sobre algumas das questões que reputamos mais sensíveis.

a) Teletrabalho x Home Office

A CLT, principalmente após o advento da Lei nº 13.467/17 (a chamada “reforma trabalhista”), conta com disposições específicas voltadas ao teletrabalho. Entre as diretrizes, notabiliza-se a exigência de um aditivo contratual autorizando expressamente a substituição da modalidade presencial de trabalho, que passará a se desenvolver preponderantemente fora das dependências do empregador.

Perguntar-se-á: existe alguma diferença entre o teletrabalho abordado na CLT e o “home office”, aqui considerado num contexto de transitoriedade?

A nosso ver, o “home office” se distingue do teletrabalho justamente por ser utilizado de maneira eventual, como medida de emergência ou mesmo para atender uma necessidade momentânea do empregado, ou em períodos pré-estabelecidos (por exemplo, em um dia determinado da semana). Isto é, diferentemente do teletrabalho, o “home office” não importa alteração definitiva do local da prestação de serviços.

Dessa forma, numa situação de pandemia, parece-nos plenamente justificável a adoção do regime sem que se exija maior formalismo.

O próprio Ministério Público do Trabalho divulgou nota técnica[2] em que recomenda a diversos setores da economia, entre outras medidas, a implantação do “trabalho à distância”. Com acerto, o parquet justifica sua posição no papel que a sociedade necessita desempenhar no esforço conjunto de conter a disseminação do agente infeccioso, noção que deve permear toda e qualquer análise sobre a legalidade e conveniência da alteração, especialmente no que compete à Justiça do Trabalho.

Inobstante, ainda que não necessariamente obrigatório, o ajuste escrito com a anuência do trabalhador se mostra recomendável, até mesmo porque outras questões poderão ser dirimidas contratualmente, o que veremos a seguir.

b) Equipamentos e Infraestrutura

Uma controvérsia alimentada por muito tempo junto à doutrina e jurisprudência, refere-se à responsabilidade pelos custos atrelados à aquisição/fornecimento de equipamentos e manutenção da infraestrutura necessária à prestação de serviços, como computadores, acesso à internet, luz etc.

Considerando que o “home office” passará a se desenvolver em caráter emergencial, é de rigor que a empresa responda pelos gastos e despesas adicionais com infraestrutura, por meio de ajuda de custa ou sistema de reembolso, bem como pela aquisição e fornecimento de equipamentos.

Nos termos do artigo 75-D da CLT, de aplicação analógica para a hipótese ora versada, esse ponto pode (e deve) ser objeto de contrato escrito, aspecto que somente enaltece a importância do ajuste formal. Ainda assim, por ser detentor do risco do negócio, não é defensável que o empregador transfira a integralidade dos custos da atividade empresarial ao empregado, exigindo-se adequada interpretação do referido dispositivo. Do contrário, estaríamos diante de uma alteração contratual potencialmente lesiva, portanto passível de ser declarada nula.

Poderá ser ajustado, por exemplo, o rateio de serviço de internet já contratado/utilizado pelo colaborador ou prevista a utilização de equipamento de seu uso pessoal, no entanto respondendo a empresa pelos custos eventualmente necessários à instalação de programas ou atualizações. As opções são muitas, desde que prevaleçam a razoabilidade e o equilíbrio contratual.

Cabe destacar, por oportuno, que essas utilidades não integram a remuneração do empregado para qualquer fim, conforme dispõem os artigos 75-D, §único, e 457, §2º, da CLT.

c) Orientação e Suporte

No caso de computadores e acesso remoto, ressalte-se a necessidade de cautela extra com a segurança de dados e informações, principalmente às vésperas da entrada em vigor no país da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Evitar vazamentos não se trata mais apenas de uma questão estratégica. Sua ocorrência poderá acarretar a aplicação de pesadas multas e outras sanções, com inevitável perda de credibilidade junto ao mercado.

Nesse passo, o empregador precisa se ocupar em oferecer suporte tecnológico aos colaboradores. Recomenda-se, inclusive, a utilização de conexões e aparelhos (computadores, smartphones e outros) devidamente configurados e pré-aprovados para acesso a e-mails, ferramentas e bancos de dados.

A preocupação deve se estender também às questões afetas à segurança e saúde do trabalho, por meio de acompanhamento das atividades desenvolvidas e da adequada (e formalizada) orientação dos colaboradores sobre a utilização dos equipamentos, ergonomia e manutenção de um ambiente hígido de trabalho. Isso porque, a despeito de a execução do serviço acontecer fora do estabelecimento físico, a responsabilidade pela prevenção de doenças e acidentes de trabalho continua a recair sobre o empregador.

d) Jornada de Trabalho

O fato de o empregado passar a desempenhar suas atividades fora do estabelecimento físico, ou seja, em ambiente externo, fora das vistas do empregador (como veremos, não é bem assim), cria a falsa impressão de que a jornada de trabalho não necessita mais ser controlada ou, o que é pior, observada. Esse entendimento é fruto, principalmente, de uma errônea interpretação do artigo 62, III, da CLT.

Em verdade, a questão deve ser dirimida pela aferição de compatibilidade ou incompatibilidade do regime de trabalho com o controle de jornada. Como estamos a tratar, basicamente, de atividades que normalmente seriam desenvolvidas no estabelecimento físico, mas que por ora serão desempenhadas por acesso remoto, num ambiente virtual, parece-nos plenamente possível a mensuração da produção e atividade do empregado.

O artigo 6º da CLT, mais especificamente em seu §1º, equipara “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão” aos meios pessoais e diretos de igual finalidade. Assim, a jornada se mostra passível de controle pelo registro de entrada e saída do ambiente virtual (“login” e “logout”), adoção de sistema de ponto remoto (“time tracking”), emprego de software específico (“Toggl” e “Bitrix”, por exemplo), preenchimento de planilhas, entre outros.

No ensejo, o §3º do artigo 74 da CLT prevê a adoção de mecanismos de registro de horário que ficam em poder do empregado, enquanto o §4º do mesmo dispositivo autoriza o chamado registro de ponto por exceção, desde que previsto em acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, mais uma vez reforçando a conveniência do ajuste formal.

Esse registro de jornada é fundamental não apenas sob o aspecto da gestão de produtividade.

Os contratos de trabalho em questão, salvo exceções pontuais, foram originalmente concebidos para execução do trabalho presencial, com submissão do empregado a horários pré-determinados e respeito à carga horária diária, semanal e mensal definida em legislação ou negociação coletiva. Por sua vez, é ônus da empresa que conta com mais de 20 (vinte) funcionários anotar os horários de início e término da jornada, podendo sua falta acarretar penalidades administrativas e, caso sobrevenha reclamação trabalhista com pleito de horas extras, implicações judiciais.

e) Produtividade

Por fim, e ainda que brevemente, trataremos do aspecto “produtividade”, aquele que talvez suscite maior preocupação e reticência nos gestores que ainda enxergam o “home office” com ressalva.

Há inúmeras pesquisas demonstrando que a maioria das companhias que adotam o trabalho remoto ou o “home office” reporta sensível aumento de produtividade. Esse ganho se explica com a melhoria de qualidade de vida dos empregados e possibilidade de flexibilização das rotinas de trabalho.

A manutenção e ganho de produtividade passa também por uma questão cultural. A alteração do regime presencial para o remoto exige adaptação tanto de empregados como de gestores.

Rotinas simples como a realização de reuniões em ambiente virtual no início e/ou término da jornada para estabelecimento de diretrizes, contextualização e revisão de tarefas; fixação de metas diárias; manutenção de canais de comunicação ágeis; e reportes periódicos contribuirão para o fortalecimento da cultura de trabalho remoto. Há, também, softwares direcionados, especificamente, ao acompanhamento e aprimoramento da produtividade, como “Trello”, “Basecamp” e “Neotriad”, somente para citarmos alguns.

O importante é que tanto empregador como empregado ocupem-se em manter suas rotinas habituais de trabalho, apenas promovendo sutis adaptações que objetivem melhor aproveitamento do tempo.

Conclusão

Certamente, a atuação em regime remoto, principalmente quando não há uma cultura já estabelecida, exige, tanto de gestores como de empregados, maturidade, organização, disciplina e, talvez o mais caro atualmente, confiança. O que não se pode ignorar, contudo, é que estamos a tratar de uma modalidade de trabalho que se apresenta como medida essencial para conter o avanço de um agente infeccioso que tem causado grande pânico e histeria, ao passo em que tenta salvaguardar o bem-estar de trabalhadores, os postos de trabalho e a saúde financeira das companhias diante de uma crise global de raro precedente - aspectos que, em verdade, estão todos interligados.

[2] Nota Técnica Conjunta nº 02/2020 – PGT/CODEMAT/CONAP

[3] Escrito por Juarez Camargo de Almeida Prado Filho, com colaboração de Nauro Luiz Mazotti Júnior

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