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2020: O ano da privacidade

Atualizado: 4 de nov. de 2022


Há alguns dias, em uma conversa descontraída, meu pai se dirigiu a mim e disse:

“- Desde que você cadastrou meu número naquele ‘Não me Pertube’[1] o número de e-mails que recebo caiu bastante, antes eu recebia uns 100 e-mails de marketing por dia, hoje recebo no máximo uns 10.”

Automaticamente minha curiosidade foi despertada, e, ao rever a descrição do serviço criado por determinação da Anatel[2], notei que o bloqueio de envio de marketing atinge apenas o contato telefônico de prestadoras de serviços de telecomunicações e instituições financeiras.

Logo, a expressiva redução no recebimento de e-mails encontrava outra justificativa: a revisão da política de privacidade de empresas dos mais diversos ramos de atuação. Desse modo, agora incumbe ao próprio usuário (titular dos dados) consentir expressa e inequivocamente com a utilização dos seus dados para recebimento de promoções, descontos, entre outras ações de marketing.

O caso narrado é apenas um simples exemplo de um fenômeno muito maior que envolve o respeito à privacidade, uma cultura cada vez mais impregnada na sociedade, a qual gradativamente exige a proteção dos seus dados pessoais, demandando sua observância pelas empresas que controlam ou operam tais dados.

Corroborando essa assertiva, uma pesquisa recentemente divulgada pela Salesforce[3] apontou que 73% dos consumidores entrevistados concordam que a confiança na empresa importa mais do que há um ano, sendo que 63% pensam que a maioria das companhias falham ao usarem seus dados pessoais de forma transparente e 54% acreditam que as empresas não usam os dados em prol dos titulares.

Nesse ritmo, as empresas – e não apenas as de tecnologia - devem investir em segurança e medidas que garantam a privacidade do usuário, além de empoderar o titular quanto ao uso dos seus dados, gerando, enfim, maior confiança nessa relação. Felizmente, é o que aparenta estar acontecendo.

Conforme indica o mais novo estudo realizado pela Marsh e pela Microsoft[4], 79% das empresas entrevistadas classificaram os riscos cibernéticos entre as cinco prioridades da organização, sendo que 83% reforçaram seus sistemas nos últimos dois anos e 38% consideram as novas regulações em proteção de dados como motivadores para aumentarem o investimento na área.

Não à toa, o principal produto da CES 2020[5] foi a privacidade[6]. Por óbvio, como de costume, o evento de tecnologia contou com anúncios de produtos inovadores e conceitos que parecem ter saído de filmes de ficção científica – afinal, quem não se fascina por carros voadores e robôs cada vez mais “humanos”? – porém, por trás de cada produto ou serviço divulgado a privacidade era o que realmente estava sendo vendido aos consumidores.

Novas atitudes também despertam a atenção. Em recentíssimo comunicado da Google[7] - cujo título não poderia ser mais específico (Building a more private web) -, a big tech anunciou uma iniciativa que planeja restringir os cookies de terceiros no navegador Chrome, de modo a incrementar a privacidade dos usuários.

Sob a mesma justificativa, a Apple negou (mais uma vez) pedido do FBI[8] para desbloquear o iPhone de um terrorista suspeito de ser responsável pelo ataque militar em Pensacola, na Flórida, reforçando expressamente que a empresa zela pela proteção dos dados dos seus consumidores.

A impressão é que, embora a maioria das empresas - principalmente as brasileiras - ainda não estejam em compliance com as normas de proteção de dados, há um reconhecimento coletivo de que a privacidade na era digital é um verdadeiro direito a ser assegurado e um diferencial competitivo entre os atores da economia digital, refletindo em um esforço das empresas para que tragam maior transparência e confiança nas relações com seus usuários, atraindo boa parte do ônus quanto à garantia da privacidade e proteção dos dados pessoais.

Um grande passo foi dado, é verdade, mas o cenário ainda está distante do ideal. Daqui em diante, observo três grandes desafios: (i) garantir que essas alegações das empresas sejam realmente aplicadas; (ii) assegurar que as normas de proteção de dados sejam cumpridas com todo rigor, mas sem olvidar do papel educativo que incumbe às autoridades; e (iii) definir o que queremos em termos de privacidade, de modo a respeitar direitos fundamentais concomitantemente à promoção a da economia digital.

Esses desafios só serão superados com a contribuição de cada um de nós, integrantes de uma sociedade democrática. Cada cidadão - titular e consumidor por excelência -, atuará como consultor, fiscalizador e sancionador. A companhia que entender isso o mais cedo possível sairá na frente e colherá os frutos da manutenção da confiança e transparência. Esse será o grande diferencial ao longo deste ano e além.

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[1] https://www.naomeperturbe.com.br Acesso em: 14 jan. 2020.

[5] https://www.ces.tech Acesso em: 14 jan. 2020.

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