"TRT anula multa de operador portuário": esse foi o título da matéria publicada pelo Valor no dia 17/04/21 (https://www.google.com/amp/s/valor.globo.com/google/amp/legislacao/noticia/2021/04/19/trt-anula-multa-de-operador-portuario.ghtml). A temática tratada em tal notícia pode ser classificada, atualmente, como a maior catalisadora de insegurança jurídica no âmbito do trabalho portuário. Trata-se da definição quanto ao critério que deve ser observado na vinculação empregatícia das seis atividades previstas no art. 40 da Lei dos Portos: "Prioridade" ou "Exclusividade".
Na primeira hipótese as oportunidades de emprego abertas pelos operadores portuários são oferecidas prioritariamente aos TPAs inscritos no "sistema OGMO" e, caso as vagas não sejam preenchidas, fica possibilitada a contratação de profissionais do mercado comum de trabalho. No caso do critério de "Exclusividade", porém, esta possibilidade de recrutamento subsidiário de trabalhadores sem inscrição no OGMO (cadastrados ou registrados) fica vetada.
As discussões sobre esse tema se originaram com a edição da Lei n. 8.630/1993 quando, a partir da abertura do mercado de operações portuárias ao setor privado, as empresas que arrendaram terminais e se qualificaram como operadoras passaram a montar suas equipes de funcionários (principalmente na atividade de capatazia, na qual se inserem os trabalhadores que operam equipamentos como shiploaders, portêineres, transtêineres, empilhadeiras de grande porte etc). Essa discussão existe em virtude da reserva de mercado que é assegurada aos inscritos no OGMO desde a Lei de 1993. O legislador de 1993 sabia que estava criando uma condição incompatível com a Livre Iniciativa e a Liberdade Profissional previstas na Constituição Federal de 1988, mas adotou essa medida para proteger o enorme contingente de trabalhadores que naquela época passariam por uma disruptiva mudança de regime. Já se passaram quase trinta anos e essa motivação histórica deixou de existir, mas as empresas portuárias continuam sofrendo com uma barreira de gestão que não existe em nenhum outro segmento econômico.
A "Prioridade" contraria parcialmente a Livre Iniciativa e a Liberdade Profissional, mas a "Exclusividade" afronta por completo esses preceitos constitucionais: restringe de forma absoluta o direito de os Operadores Portuários escolherem os profissionais que integrarão suas equipes e, ao mesmo tempo, impede milhões de brasileiros sem inscrição no OGMO de terem acesso às vagas de emprego no trabalho portuário. Após longo período de instabilidade jurídica a SDC do TST julgou, em 2007, o Dissídio Coletivo de Natureza Jurídica n. 174.611/2006-00-00-00.5 e definiu a linha da "Prioridade" como correta. Embora esse case tenha se iniciado com um enfoque maior sobre as atividades de Capatazia e Bloco, em julgamento de Embargos Declaratórios o TST deixou claro que a definição ali adotada irradiaria todas as seis atividades. A decisão do TST pautou-se principalmente na Convenção n. 137 da OIT, que foi incorporada ao ordenamento jurídico nacional e detém status supralegal. Além disso, o caminho hermenêutico seguido naquela ocasião foi o da interpretação sistemática da Lei dos Portos. O art. 3, item 2, da referida norma da OIT dispõe que os "portuários matriculados terão prioridade para a obtenção de trabalho nos portos". O posicionamento do TST gerou segurança jurídica e os próprios Sindicatos de Trabalhadores passaram a concordar com a aplicação da "Prioridade".
Entretanto, um mero ajuste redacional na Lei n. 12.815/2013 fez com os Trabalhadores voltassem a defender a sistemática da "Exclusividade". A partir daí a instabilidade social e jurídica ressurgiu! Diversos julgados, inclusive do TST, passaram a adotar uma interpretação puramente literal da nova Lei dos Portos para apontar o critério de "Exclusividade" como sendo o correto. Diversas Turmas do TRT 2a Região continuam, porém, aplicando acertadamente a tese da "Prioridade" apesar do ajuste textual feito na Lei de 2013. O MPT, através da CONATPA, também segue nessa diretriz. A prevalência da "Prioridade" continua se justificando por diversas razões. A pequena mudança redacional feita na Lei de 2013 apenas corrigiu uma falha da Lei de 1993, que mantinha as seis atividades separadas. O termo "exclusivamente" já constava na Lei de 1993, e foi analisado exatamente assim pela SDC do TST no Dissídio julgado em 2007 (conhecido como "Dissídio FENOP"). O leitmotiv daquela decisão permanece vivo, pois, assim como a Convenção n. 137 da OIT possuía status supralegal em face da Lei n. 8.630/1993, o mesmo ocorre com relação à Lei n. 12.815/2013.
O caminho da "Prioridade" é sustentado, ainda, pelas interpretações sistemática e teleológica da Lei dos Portos. A "Exclusividade" não se compatibiliza com a Livre Iniciativa e a Liberdade Profissional previstas na Constituição Federal. Aliás, em diversas situações os trabalhadores inscritos no OGMO não se interessam pelas vagas ofertadas. Neste contexto o critério de "Exclusividade" só dá duas opções aos Operadores Portuários: fecharem as portas ou recorrerem ao trabalho avulso. Vale frisar que a Lei n. 12.815/2013 coloca a contratação avulsa como opção e não como via impositiva, pois ela assegura aos Operadores Portuários o direito de ter uma equipe 100% vinculada pela CLT. Ao considerar esses aspectos o Min. Caputo Bastos, do TST, relatou o Proc. 13090-93.2010.5.04.0000 no sentido de que o critério de "Prioridade" permanece soberano mesmo após a Lei de 2013. O voto foi seguido por unanimidade pela Turma. No plano internacional o Tribunal de Justiça da União Europeia já decidiu que o sistema de reserva de mercado no trabalho portuário espanhol era ilegal, e mais recentemente tem se debruçado sobre reclamações que recebeu nesse mesmo sentido quanto à situação da Bélgica. O TCU, em auditoria recente que resultou no Acórdão n. 2711/2020, sob relatoria do Min. Bruno Dantas, identificou a reserva de mercado como uma possível barreira aos investimentos nos portos públicos brasileiros.