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A pandemia do COVID-19 x Seguro de vida


É notório que a doença provocada pelo novo coronavírus vem causando uma série de transtornos e prejuízos alarmantes por todo o mundo. A preocupação dos governantes dos países afetados e daqueles que ainda não o foram gira em torno, além da questão humana e sanitária, das perdas financeiras, que podem chegar a valores exorbitantes causados direta ou indiretamente pelo novo vírus.

Um dos pontos que precisa ser abordado é a situação da cobertura dos seguros de vida, considerando que, comumente[1], há cláusula de exclusão de cobertura em razão da “pandemia”, conforme recomendação da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), reforçada pelo previsto no artigo 393 do Código Civil[2], ao afirmar que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior (caso do coronavírus).

Logo, amparadas pela cláusula de exclusão de risco, as seguradoras poderão negar indenizações decorrentes de sinistros ocasionados pela pandemia do novo coronavírus, salvo se a apólice não contiver tal previsão, o que, em geral, não acontece.

Diante dessa situação, algumas seguradoras[3] espontaneamente informaram que, embora seus seguros contenham a cláusula de exclusão referida, irão desconsiderá-la, visando contribuir para minimizar as consequências da pandemia de coronavírus.

Embora louvável, tal atitude poderá ensejar discussões a respeito da liberação de exclusões de forma generalizada, ou, ainda, para outros tipos de seguro, afetando a base mutualística e, consequentemente, a precificação e gestão das seguradoras.

No que se refere ao segurado, não se pode olvidar que há uma fase pré-contratual relevante que precisa ser considerada. Embora exista essa “cláusula padrão” de exclusão de pandemia da cobertura securitária, essa restrição deve ser ressaltada pelo corretor no momento da contratação – e mais – no caso do interesse do segurado, cabe ao corretor informar se é possível e/ou oferecer a opção de contratação de seguro “extra” para essa hipótese, ainda que com pagamento de prêmios maiores.

De acordo com o artigo 126 do Decreto-Lei 73/66, o corretor responderá civilmente por todos os prejuízos causados ao segurado no exercício de sua profissão, nos casos de omissão, imperícia ou negligência.

Ainda, o Código Civil, em seu artigo 723[4], deixa clara a obrigação do corretor em informar o cliente sobre todos os aspectos que envolvem a operação do seguro, especialmente sobre os riscos cobertos e excluídos pela contratação e o respectivo agravamentos destes riscos.

A inobservância de tais obrigações legais poderá ensejar a responsabilização do corretor, com a consequente condenação ao ressarcimento de perdas e danos que vierem a ser comprovados, consoante o parágrafo único do mesmo artigo 723.

Cabe ressaltar que o ônus probatório em demonstrar se todas as informações da apólice foram efetivamente transmitidas ao segurado é, em princípio, do corretor, tendo em vista a hipossuficiência do segurado, com base no artigo 6º, VIII do CDC[5][6].

Há jurisprudência[7] no sentido de reconhecer que, em casos de má prestação de serviços, omissão, imperícia ou negligência, a corretora de seguros e a seguradora respondem solidariamente em relação ao segurado prejudicado.

Sob o ponto de vista das seguradoras, essa inversão do ônus probatório não afasta o dever de qualquer segurado ler seu contrato com atenção, especialmente as cláusulas que preveem os chamados “riscos excluídos”.

Considerando a complexidade de um contrato de seguro, não há respostas simples para as questões controversas que surgirão. Aguarda-se um posicionamento da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) a fim de ao menos tentar unificar as iniciativas a respeito do tema junto às seguradoras.

Dessa forma, considerando a situação de pandemia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em razão do coronavírus, espera-se o crescimento exponencial das demandas que envolvem a seara securitária devido à cláusula de excludente de pagamento da cobertura em casos de perdas decorrentes de pandemias.

Para os contratos de seguro que estão na iminência de serem assinados, cabe tanto aos corretores quanto aos segurados efetivamente analisarem e discutirem as cláusulas de exclusão de cobertura a fim de mitigar eventuais discussões futuras a respeito do tema.

[1] É o caso do seguro de vida do Banco do Brasil, por exemplo:

CLÁUSULA 3 – COBERTURAS DO SEGURO 3.1. Cobertura de Morte Natural ou por Acidente do Segurado (MNA): É a garantia do pagamento de indenização ao beneficiário do seguro de 100% (cem por cento) do capital segurado desta cobertura, em caso de morte natural ou acidental do segurado, observadas as condições gerais e desde que não se trate de risco expressamente excluído ou de hipótese de perda de direito.[...]

3.2. Cobertura Complementar Indenização Extra: desde que contratada pelo segurado, é a garantia de pagamento de uma indenização extra, estabelecida na contratação, ao beneficiário do seguro, em caso de morte natural ou acidental do segurado, observadas as condições contratuais do seguro, e desde que não se trate de risco expressamente excluído ou de hipótese de perda de direito. No caso de falecimento do segurado, seu beneficiário receberá, além da indenização referente à Cobertura de Morte, uma indenização referente a Cobertura Complementar Indenização Extra.[...]

CLÁUSULA 4 – RISCOS EXCLUÍDOS 4.1. ESTÃO EXPRESSAMENTE EXCLUÍDOS DE TODAS AS COBERTURAS DESTE SEGURO, OS EVENTOS RELACIONADOS A OU OCORRIDOS EM CONSEQUÊNCIA, DIRETA OU INDIRETA, DE:[...]

G) EPIDEMIAS E PANDEMIAS DECLARADAS POR ÓRGÃO COMPETENTE, INCLUINDO (MAS NÃO SE LIMITANDO A) GRIPE AVIÁRIA, FEBRE AFTOSA, MALÁRIA, DENGUE, MENINGITE, DENTRE OUTRAS;

[2] Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

[3] Como a “Previsul” e “Seguros Sura”

[4] Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio. Parágrafo único. Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência.

[5] Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

[6] APELAÇÃO – SEGURO DE VIDA – DOENÇA GRAVE – PERÍODO DE CARÊNCIA NÃO INFORMADO – PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO – AUSÊNCIA DE EXAME MÉDICO PRÉVIO - Tendo em vista que a apelada não demonstrou que o segurado tinha efetiva ciência das condições do contrato, principalmente quando se infere que dos documentos postos para assinatura a inexistência de qualquer explicação acerca do que constituiriam as doenças denominadas graves, nem mesmo, tampouco do período de carência; - Nos termos do enunciado das Súmulas 609 do STJ e 105 do TJSP: Não prevalece a negativa de cobertura às doenças e às lesões preexistentes se, à época da contratação de plano de saúde, não se exigiu prévio exame médico admissional - entendimento que se estende aos seguros de vida, mormente aqueles que preveem em suas cláusulas a exclusão de cobertura em caso de doença; RECURSO IMPROVIDO.

[7] DEVER DA CORRETORA EM PRESTAR INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA ENTRE CONSUMIDOR E SEGURADORA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CORRETORA DE SEGUROS. NÃO CONFIGURADA. SOLIDARIEDADE ENTRE SEGURADORA E CORRETORA. AMBAS INTEGRAM A CADEIA DE CONSUMO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (Apelação Cível AC 08320649120178230010. Tribunal de Justiça de Roraima. DJe: 14/02/2020).

Seguro de vida e acidentes pessoais – (...) Legitimidade passiva de corretora de seguro, integrante do mesmo grupo econômico a que pertence a seguradora, para responder à ação de cobrança. - Não havendo prova de que ao consumidor foi dada informação clara e adequada a respeito do produto que estava adquirindo, bem como pelo fato de não constar na proposta a exclusão da indenização por morte da filha menor de 14 anos, incumbe à seguradora o dever de indenizar Apelo não provido.

(TJSP; Apelação Cível 0065464-59.2009.8.26.0000; Relator (a): Silvia Rocha; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 3ª V.CÍVEL; Data do Julgamento: 30/10/2013; Data de Registro: 30/10/2013).

Seguro de vida e acidentes pessoais – (...) Não havendo prova de que ao consumidor foi dada informação clara e adequada a respeito do produto que estava adquirindo, bem como pelo fato de não constar, tanto no cartão proposta como nas condições do seguro, a exclusão da garantia por morte natural, incumbe à seguradora o dever de indenizar- Recurso provido

(TJSP; Apelação Cível 9204763-34.2005.8.26.0000; Relator (a): Silvia Rocha; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo André - 2ª V.CÍVEL; Data do Julgamento: 10/11/2009; Data de Registro: 05/12/2009)

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