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A flexibilização da regra “Take or pay” em debate na ANTAQ

A flexibilização da regra “Take or pay” em debate na ANTAQ

B13 | Seção: MARÍTIMO | Página nº 35

No processo nº 50300.007269/2020-62, de Relatoria do Diretor Francisval Mendes, a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS USUÁRIOS DO TRANSPORTE DE CARGA – ANUT formulou pedido à ANTAQ com o fim de relativizar a regra conhecida como “TAKE OR PAY”, que significa, nada mais, senão o compromisso de atendimento, pelo usuário, de transportar ou operar os volumes mínimos assumidos nos contratos de transporte marítimo e de operação portuária.

Conforme análise técnica encontrada nos autos, a indigitada associação não especificou nos autos quais tipos de contratos estariam abarcados em sua petição, elencando-os de forma genérica.

Diante dessa generalização, que não permite depreender quais os contratos alcançados pela necessidade de flexibilização, pedimos vênia ao leitor para uma consideração inicial, sem ainda permear o cotejo dos autos. Segmento afetado pela pandemia, conforme opinião uníssona dos especialistas, é o da logística integrada entre o transporte marítimo e a movimentação de granéis líquidos, mormente os químicos. Segundo Aquiles Dias, Presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Terminais Líquidos (ABTL), “em abril a produção da indústria química recuou 19,4% em relação ao mês anterior e, no mesmo período, as vendas internas caíram 35,7%” ¹. A retração vertiginosa, que se acentua nos meses seguintes, impacta o ciclo entre o transporte marítimo e a entrega da carga nos terminais de líquidos. O resultado, em nosso sentir, será a tentativa de rearranjo das obrigações sucessivas pactuadas, quase sempre amparadas pela regra “take or pay”.

Passando à análise da regra em questão temos que, numa avença tipicamente continuada, há fixação prévia de valores mínimos em caso de descumprimento do pactuado. A natureza jurídica, portanto, consubstancia verdadeira cláusula penal, vez que o prestador do serviço prefixa um importe mínimo, caso não atendida a totalidade do acordado com o tomador.

A solicitação encaminhada pela ANUT ao ente setorial objetiva desobrigar os usuários desse compromisso, i.e., o pagamento do volume mínimo avençado nos contratos de transporte marítimo e operação portuária pelo período de 12 (doze) meses, de modo a mitigar os infortúnios gerados pela pandemia do COVID-19.

A restrição de circulação de bens e pessoas, conforme salienta a ANUT, impacta a cadeia produtiva, merecendo a atenção da Agência Reguladora para o necessário implemento de medidas que desobriguem momentaneamente os usuários do cumprimento dos volumes mínimos assumidos nos contratos de transporte marítimo e operação portuária de toda natureza.
O setor técnico emitiu entendimento pelo não conhecimento do pleito, dada a falta de legitimidade da ANUT para representar os usuários em interesses difusos, carecendo de autorização específica. No mérito, indeferiu o pedido pelo risco de comprometimento à segurança jurídica, consignando ainda a impossibilidade de a Agência Reguladora intervir em relação eminentemente privada. Acresceu ao parecer dados estatísticos para demonstrar que os principais Portos nacionais mantêm sua movimentação em ritmo crescente.

A Procuradoria Federal junto à ANTAQ enveredou pelo mesmo caminho em sua nota jurídica, realizando, contudo, análise acerca da natureza do instituto. Para o Douto Procurador, o vetor hermenêutico é a autonomia da vontade, inteligência do artigo 421 do Código Civil.

“Com maior frequência em contratos empresariais ou comerciais de longo prazo ou de trato sucessivo de fornecimento de produtos ou de prestação de serviços, pode-se dizer, grosso modo, que a cláusula ou pacto adjeto "take or pay" consiste num arranjo contratual que assegura ao fornecedor-contratado o pagamento correspondente à totalidade ou a uma quantidade mínima dos serviços ou produtos que lhes tenham sido contratados, mesmo que o consumidor-contratante tenha decidido não os retirar/consumir no período avençado: dever do consumidor pagar a diferença entre a quantidade mínima contratada e a quantidade efetivamente consumida.”

Na sessão de julgamento realizada no dia 04/06/2020 houve pedido de vista pelo Diretor Adalberto Tokarski. Retomado o julgamento por ocasião da 480ª Reunião Ordinária de Diretoria, realizada entre 15/06/2020 e 17/06/2020, o pedido de vista foi prorrogado. Na 481ª ROD, enfim, o feito prosseguiu com a prolação dos votos dos julgadores e o decisum do colegiado.


O Diretor Relator Francisval Mendes, em sede preliminar, acompanhou as notas técnica e jurídica para reconhecer que não restou comprovada a legitimação extraordinária da demandante para defender interesses difusos e coletivos. Ainda, teceu que não se demonstrou a premência da medida administrativa cautelar requerida, “uma vez que não foram apresentadas evidências suficientes que comprovem impactos negativos da pandemia nas atividades em tela, o que foi ratificado pela apresentação de dados de movimentação de importantes portos organizados que se sustentaram ou cresceram até o momento”.


O voto do Relator consignou que não é dado à ANTAQ se imiscuir no ambiente privado, suprimindo direito erigido em contrato, mormente sem qualquer demonstração de efetiva violação aos estatutos regulatórios do setor. Em providencial apontamento, o Relator esclareceu que esse entendimento não significa ausência de competência da ANTAQ para coibir abusos, resguardando os usuários em eventual situação de vulnerabilidade.


Ao final do voto, sublinhou a inadequação do foro eleito, ponderando que eventuais pleitos revisionais devem ocorrer pela via judicial. Ante os argumentos apresentados concluiu pela extinção do processo sem resolução de mérito.
Em seu “voto vista” o Diretor Adalberto Tokarski ressaltou não ser hipótese de não conhecimento da demanda, mas sim de extinção do feito sem resolução de mérito “por inadequação da via/foro eleita e por impossibilidade jurídica do pedido”. O julgador fundamentou que o não conhecimento da demanda deveria conduzir à conversão do julgamento em diligência, para se oportunizar à demandante a regularização da representação processual.


A Diretoria, assim, por meio da Resolução Nº 7.874, extinguiu o feito sem resolução de mérito pela inadequação da via/foro eleito e impossibilidade jurídica do pedido, não sendo hipótese a ensejar demanda administrativa de natureza coletiva, além de a medida pretendida representar indevida intervenção da Agência Reguladora, sem qualquer demonstração efetiva de violação ao normativo regulatório.

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¹ https://sopesp.com.br/2020/06/05/executivos-de-terminais-liquidos-falam-dos-impactos-da-covid-19-e-criticam-consultas-publicas-que-podem-comprometer-investimentos-e-seguranca/

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