Desenvolvimento de metodologia para determinar abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêineres
B30 | Seção: REGULATÓRIO | Página nº 11
Nos idos da 539ª Reunião Ordinária de Diretoria, a ANTAQ, por meio do voto da Diretora Flavia Takafashi, “encerrou” tema que vinha permeando a agenda regulatória desde 2020. As aspas são epigrafadas para lembrar ao caro leitor que as contendas atinentes à cobrança pela utilização dos contêineres ainda vão pulsar na Agência Reguladora por um bom tempo.
Antes de perscrutar alguns pontos da decisão proferida pela Diretora (revisora in casu), cumpre lembrar que, desde a edição da RN18, a ANTAQ confere um olhar diferenciado à sobre-estadia de contêineres. Atualmente, pela Resolução nº 62/2021, os processos administrativos revelam um claro amadurecimento no trato da questão, mormente para frear algumas abusividades praticadas pelos transportadores marítimos.
Em que pese o olhar da nobre diretora ter se voltado aos preços praticados – atendo-se somente ao quantum fixado (diária pelo uso do equipamento além do free time) -, pensamos que a análise deve ser conglobada com outros fatores presentes na dinâmica das relações de transporte iniciadas (exportação) ou terminadas (importação) no Brasil.
É crível – como fez a ANTAQ na decisão - comparar a dinâmica do transporte nos (inúmeros) portos brasileiros com a realidade de Roterdã, por exemplo? Os gargalos logísticos e a própria burocracia estatal (desembaraço/fiscalização) impactarão muito mais por aqui do que noutras paragens. Ou seja, a postergação no uso do contêiner, inerente às dificuldades impostas ao transporte e decorrentes da própria burocracia, vão levar à elevação do tempo de estada da carga no contêiner.
A análise apenas com viés do preço também merece ressalvas, quando olhamos para práticas costumeiras desenvolvidas pelos armadores. Na demurrage se tornou conhecido o expediente de exigir o pagamento antecipado para, só assim, autorizar a devolução do cofre de carga. E, se o usuário não “anui” com o pagamento, mais dias vão incidindo e o valor, claro, aumentando significativamente. Na detention, por sua vez, não é incomum o transportador cobrar por períodos aos quais o exportador não deu causa, imputando descabidamente a este um “risco inerente a sua atividade”, à revelia das disposições normativas da Agência Reguladora.
Ora, se por um lado a ANTAQ fecha o tema na Agenda Regulatória sob o argumento de que reclamações sobre preços não chegam em volume considerável, por outro, deve reconhecer que nas últimas pautas o tema “sobre-estadia de contêiner” é recorrente, sendo inúmeras as decisões em sede cautelar afastando cobranças indevidas. Ainda que se propague que o valor da diária, em si, não é ainda discutido em sede administrativa, a soma dos valores das diárias decorrentes de procrastinações causadas pelos próprios armadores é tamanha. Por consequência, inegável que os usuários que hoje se socorrem da ANTAQ estão, ainda que por via oblíqua, se insurgindo contra os preços abusivos derivados de práticas nefastas.
Os usuários devem seguir reportando eventuais abusos à ANTAQ, mormente com amparo no dever de transparência que acomete os transportadores marítimos, nos termos da Resolução nº 62/2021. Aliás, esse é o entendimento encampado pela própria Diretora no processo em referência.
Em que pese o dever de transparência, a ANTAQ deve observar que muitos dos usuários são reticentes em reportar denúncias, dado o receio de retaliações - infelizmente comumente praticadas por certos armadores. Por isso, de modo a evitar distorções no seu entendimento, a arguição da revisora no sentido de que as reclamações endereçadas à ANTAQ não são representativas deve ser relativizada.
A título de exemplo, e para reflexão do leitor que última as presentes linhas, o modus operandi do “pague para poder embarcar” ainda se faz presente na cena da exportação brasileira. Por (muitas) vezes, a “dívida” cobrada é bastante nebulosa e, ainda assim, o exportador se vê instado (ou melhor, coagido!) ao pagamento para poder efetuar o embarque da sua carga.
Não há outra conclusão, senão extrair da decisão em comento um convite para o usuário provocar cada vez mais a ANTAQ. A agência, por seu turno, deve se imbuir do poder-dever de fiscalização, para a aplicação pedagógica das suas próprias disposições normativas, em especial a Resolução nº 62/2021.
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