top of page
O crescente protecionismo e o Acordo de Santa Cruz de la Sierra

O crescente protecionismo e o Acordo de Santa Cruz de la Sierra

B4 | Seção: REGULATÓRIO | Página nº 4

Apesar de desempenhar um papel importante na globalização e no comércio exterior, a navegação continua a sofrer com constantes medidas protecionistas decorrentes de seu posicionamento estratégico. Por consequência, há um limitado número de tratados e convenções nessa seara, bem como de signatários. No entanto, mesmo diante da incidência de normas internacionais, as autoridades hesitam em aplicá-las, de modo a priorizar o direito nacional.

Com o Brasil não é diferente, apesar de ser um líder em negociações envolvendo o comércio exterior, é um país notavelmente fechado quando se trata de transportes aquaviários. Um exemplo recente é o caso da consulta da Ship America Brasil Navegação Ltda, formulada perante a ANTAQ, visando a obtenção de autorização de afretamento de embarcação estrangeira.

Em suma, o caso é referente ao transporte de minério de ferro e manganês entre o Terminal Granel Química ou Terminal Porto Gregório Curvo, em Corumbá/Ladário (MS), e o Terminal Piaçaguera, em Cubatão (SP). Na primeira parte do trajeto, o transporte se dá pela Hidrovia do Paraguai-Paraná entre Corumbá/Ladário e a zona portuária de San Lorenzo/Rosário, na Argentina, ou zona portuária de Nueva Palmira, no Uruguai, a depender da margem de atracação ou fundeio. Com o transbordo da carga para uma nova embarcação tem início a segunda etapa, que se dá por navegação marítima até o terminal localizado em Cubatão.

Nota-se que esse transporte ocorre em duas etapas distintas, apesar de ter como origem e destino portos nacionais, o que levou ao questionamento quanto à classificação do transporte pretendido: navegação interior de percurso internacional seguida de longo curso ou cabotagem.

Apesar de não apresentar muita importância a um olhar desatento, o correto enquadramento é de extrema relevância porquanto determinará a incidência do Acordo de Santa Cruz de la Sierra – também conhecido como Acordo de transporte fluvial pela hidrovia Paraguai-Paraná – e a possibilidade de utilização de embarcação estrangeira para realizar a navegação, i.e., caso seja configurada a primeira opção, poder-se-á fazer uso de embarcações estrangeiras, porém, se o transporte for considerado uma cabotagem, apenas empresas brasileiras de navegação (EBN) poderão desempenhar o transporte.

Ressalta-se que o referido Acordo, celebrado entre Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, e com status de Lei Ordinária (Decreto 6.659/08), foi elaborado com os propósitos, dentre outros, de “criar condições necessárias para conceder-se mutuamente todas as facilidades e garantias possíveis a fim de conseguir a mais ampla liberdade de tráfego fluvial, de transporte de pessoas e de bens e a livre navegação” e eliminar “todos os entraves e restrições administrativas, regulamentares e de procedimento e a necessidade de criar para esses fins um marco normativo comum, com o objetivo de desenvolver um comércio fluído e uma operação fluvial eficiente”.

Todavia, apesar de representar um grande avanço da livre navegação na Hidrovia Paraguai-Paraná, o Acordo apresenta ressalvas quanto à cabotagem, excluindo-a do seu âmbito.

Artigo 11 - Ficam eliminadas em favor das embarcações de bandeira dos países que integram a Hidrovia, a partir da entrada em vigor do presente Acordo, as limitações existentes ao transporte de determinados bens ou pessoas reservados na sua totalidade ou em parte às embarcações que navegam sob bandeira nacional do país de destino ou de origem.
Fica excluído do âmbito de aplicação deste Acordo e de seus Protocolos, o transporte de cabotagem nacional, o qual está reservado às embarcações dos respectivos países.

O diretor Fernando José de Pádua Costa Fonseca, então relator, consignou em seu voto que considera a operação consultada como navegação de cabotagem e enfatizando “que o presente entendimento deve ser estendido também para casos análogos envolvendo operações de origem e destino entre portos brasileiros, com passagem em águas internacionais, utilizando via navegável interior”. Pisa-se que esse posicionamento vai de encontro às manifestações da Gerência de Regulação da Navegação Marítima (GRM) e da Procuradoria e à própria orientação da agência, exarada no Ofício nº 11/2013-SNI.

Adverte-se que além de prejudicar as relações com os demais Estados na Bacia do Prata, esse posicionamento fragiliza o processo de integração regional. E mais, há um engessamento das operações comerciais e a possibilidade de reflexos negativos nas exportações brasileiras, algo crítico em um cenário de uma crescente guerra comercial.

De fato, esse foi um dos alertas dados pela Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) que, apesar de destacar as previsões positivas para o comércio marítimo e o protagonismo do Brasil nas exportações de minério de ferro, constatou que “o aumento do protecionismo e as batalhas de retaliação podem interromper o sistema comercial global, que consolida a demanda pelo transporte marítimo” ¹.

A consulta efetuada pela Ship America não vislumbra um fim próximo, visto que aguarda o voto dos demais diretores. No entanto, roga-se pela prevalência do entendimento previamente consolidado na agência e pela consequente possibilidade de incidência do Acordo, culminando na equiparação e livre circulação de embarcações com bandeiras dos países signatários. Por conseguinte, ter-se-á um maior incentivo uma maior viabilização das operações de exportações escoadas pela Região da Prata.

-----
¹ https://news.un.org/pt/story/2018/10/1641122.

Para uma melhor experiência na leitura, considere ler o boletim no formato PDF, através do botão localizado no início da página.

bottom of page