Afretamento de embarcação para operar em navegação interior - breve apanhado da resolução-antaq nº 41/2021
B17 | Seção: MARÍTIMO | Página nº 21
A aplicação efetiva da norma, cremos, virá em consonância com o projeto do Ministério da Infraestrutura voltado à navegação interior. Sem embargo dessa importante conjugação de medidas vislumbrada pelo Governo Federal, desde já, cabe delinear alguns aspectos do normativo técnico que dispõe sobre o afretamento de embarcação - por tempo, viagem, espaço e casco nú - para operar em navegação interior.
A norma, cuja vigência se dará a partir de 1º de abril de 2021, surge no contexto do Decreto nº 10.139/19, que determina a revisão e a consolidação de atos normativos hierarquicamente inferiores aos decretos. A ANTAQ, assim, passa a revolver seu repositório normativo e a resolução ora em apreço exsurge com o propósito não somente de atualizar a matéria, mas também consolidar suas regras, in casu aquelas que versam sobre afretamento de embarcação em navegação interior.
O diploma prescreve que a navegação interior de percurso nacional somente poderá ser realizada por embarcação de bandeira brasileira e embarcação de bandeira estrangeira afretada por EBN, elencando os requisitos para tanto.
O afretamento de embarcação estrangeira para a navegação interior será permitido nas hipóteses de inexistência ou indisponibilidade de embarcação brasileira para o transporte pretendido; interesse público justificado; e em substituição a embarcação em construção no país, por período máximo de 36 meses (art. 6º). O afretamento de embarcação brasileira e embarcação estrangeira a casco nu - com suspensão de bandeira, para a navegação interior de percurso nacional - ficam dispensados de autorização, nos termos do artigo 7º.
Para afretar embarcação estrangeira a EBN, primeiro, deve circularizar sua pretensão. A circularização consiste no procedimento de consulta pelo qual a empresa de navegação brasileira verifica a existência de embarcação nacional apta ao transporte pretendido (art. 10). Essa consulta será realizada em ambiente próprio da ANTAQ, via Sistema de Gerenciamento de Afretamentos.
Existindo embarcação de outra EBN em condições de ofertar o transporte pretendido, dar-se-á o chamado “bloqueio”, conforme preceitua o artigo 12 do diploma em comento. O normativo, inclusive, permite que esse ato se opere de modo parcial, quando a embarcação estiver em condição de cobrir parte do período ou carga circularizados.
À ANTAQ cabe a decisão no sentido de homologar a circularização de consulta, seja pela ausência ou invalidade de bloqueio (autorizando o afretamento total de embarcação estrangeira), seja pela validade do bloqueio total (habilitando a embarcação bloqueadora) ou parcial (habilitando a requerente ao afretamento parcial de embarcação estrangeira). A disposição do artigo 14, que trata da homologação, termina franqueando às partes a possibilidade de manejar recurso administrativo contra as decisões decorrentes do procedimento de circularização (parágrafo único).
Atendidos os requisitos erigidos pela ANTAQ para o afretamento será emitido o CAAI - Certificado de Autorização de Afretamento Interior -, documento que formaliza a autorização de afretamento de embarcação estrangeira para a navegação interior.
O registro do afretamento também ocorrerá em ambiente próprio disponibilizado pela ANTAQ, devendo conter os seguintes documentos: contrato de afretamento; no caso de afretamento a casco nu de embarcação brasileira, o Título de Inscrição da Embarcação, o Título da Provisão de Registro de Propriedade Marítima ou Documento Provisório de Propriedade (art. 17).
Não de somenos, o dispositivo elenca obrigações documentais concernentes à segurança da navegação - a exemplo do Certificado de Segurança da Navegação (CSN) e do seguro obrigatório -, o que não embarga, claro, qualquer disposição da Marinha do Brasil, que detém atribuição legal para normatizar sobre a matéria.
Revolvendo as nuances do contrato de afretamento, a norma reza que a avença pode ser registrada por instrumento particular ou público, lavrado por Tabelião de Notas, facultando-se sua apresentação à ANTAQ, inclusive, na modalidade eletrônica (art. 18).
Na seara ainda do contrato firmado entre fretador e afretador, oportuno mitigar dúvida que, por vezes, paira em meio aos trâmites da Agência: a necessidade ou não de se encaminhar o termo traduzido para o português. A norma elide esse questionamento ao dispor que será imprescindível a tradução, salvo quando dispensada pela ANTAQ (art. 19).
É indispensável, ainda, que toda e qualquer alteração nas cláusulas ou na execução do contrato de afretamento, assim como seu encerramento, sejam incontinenti participadas ao órgão de regulação (art. 21).
Cumpre destaque, outrossim, à previsão expressa para o subafretamento, que deverá se submeter também à circularização. Nos termos da resolução, o subafretamento somente poderá ser autorizado nas modalidades “por viagem” ou “por tempo”, quando houver previsão no contrato de afretamento e concordância expressa do fretador (art. 22).
O derradeiro capítulo da norma é dedicado às “Infrações e Penalidades”, estabelecidas no artigo 23 as penas de advertência, multa e suspensão do direito de afretar.
Da análise dos tipos infracionais elencados é possível inferir que as infrações leves, com multas que variam entre 20 e 30 mil reais, correspondem à falta de informações que devem ser prestadas ao ente regulador. Não registrar o contrato de afretamento no prazo estabelecido ou não participar qualquer informação solicitada pela ANTAQ estão inseridas no rol de infrações tidas como “leves”. (art. 25)
Passando ao cotejo das infrações médias, cuja multa pode alcançar 50 mil reias, os tipos concernem ao cometimento de faltas relacionadas à circularização e ao bloqueio. Assim, pode-se mencionar que o legislador técnico tem como infração, por exemplo, “não cumprir as obrigações assumidas na circularização” ou, ainda, “bloquear ou manter o bloqueio sem deter condições de atender a consulta de afretamento” (art. 26).
Às infrações graves, com multas balizadas entre 60 e 200 mil reais, a Agência reservou as seguintes, cuja transcrição se faz oportuna na íntegra (art. 27):
sub afretar sem autorização ou comunicação à ANTAQ;
prestar informações falsas;
realizar o afretamento com embarcação estrangeira em desacordo com as informações contidas na circularização;
afretar embarcação estrangeira sem autorização.
Dentre as "Disposições Finais e Transitórias” o normativo relativiza, de certa forma, o afretamento de embarcação estrangeira em caso de interesse público, fortuidade ou força maior. Aqui o ente técnico deve cuidar para não incorrer em generalidades e abstrações, lembrando da máxima premissa da legalidade estrita que acomete o administrador público. Portanto, no cotidiano da navegação interior devem imperar os critérios rígidos escolhidos pelo legislador técnico, ficando a relativização do afretamento somente às hipóteses excepcionais e criteriosamente fundamentadas, sob pena de desarmonizar o equilíbrio entre os atores regulados.
Aliás, o eventual desequilíbrio aqui sugestionado pode resvalar nas questões de ordem concorrencial. Não à toa, a própria norma consigna a preocupação com as práticas nefastas à competição e livre concorrência, consoante se depreende do artigo 24, senão vejamos:
Havendo indícios de ocorrência de prática prejudicial à competição ou à livre concorrência, ou ainda, infração de ordem econômica, a ANTAQ adotará as providências administrativas cabíveis e comunicará o fato ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, e à Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia, conforme o caso.
Por fim, concluímos trazendo à baila uma opinião nossa já deflagrada noutra oportunidade. Essa consolidação do procedimento para o afretamento na navegação interior, ora traduzida pela Resolução nº 41/2021, vem na esteira das medidas de fomento preparadas pelo Governo Federal: a já apelidada “BR dos Rios”, que advirá por Projeto de Lei, em moldes parecidos com o PL 4199/20 - BR dos Rios -, hoje em trâmite no Senado Federal em regime de urgência constitucional.
O objetivo do Ministério da Infraestrutura não é outro, senão lograr um melhor aproveitamento das vias fluviais navegáveis. Espera-se, pois, que as medidas governamentais para alavancar a navegação interior convirjam com as proposições técnicas que objetivam aprimorar o arcabouço normativo, tornando o procedimento para o afretamento menos burocrático e mais eficiente.
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