
Divergência: Contrato de Passagem ou Contrato de Arrendamento?
B15 | Seção: OUTORGA | Página nº 24
O presente artigo versa sobre uma divergência aberta pela Companhia das Docas do Rio de Janeiro sobre a exploração de área portuária por empresa responsável pelas instalações de trigo de São Cristóvão do Porto do Rio de Janeiro.
Verifica-se que o posicionamento inicial da administração do porto era de que o instrumento contratual adequado seria o Contrato de Passagem, regulamentado pela Resolução Antaq nº 07/2016, uma vez que a empresa havia requerido que nele constassem as mesmas prerrogativas previstas no contrato originário. Eram elas: (i) de detenção e utilização dos equipamentos, instalações, trajetos e áreas correlatas, bem como (ii) de exercício integral das atividades principais e acessórias franqueadas no Contrato de Arrendamento C-DEPJUR nº 086/98 e/ou efetivamente exercidas pela empresa de sua execução contratual.
Ocorre que a Superintendência do Porto do Rio de Janeiro advertira, contrariamente, que o instrumento cabido seria o Contrato de Arrendamento, pois os bens objetos da avença eram de propriedade da Autoridade Portuária. A divergência que daqui se instalou impediu a prorrogação pretendida pela instalação portuária interessada.
Na consulta instaurada, a setorial técnica, por meio da Nota Técnica nº 143/2019/GPO/SOG, expressou-se no sentido de que seria o Contrato de Arrendamento o instrumento apto a ser celebrado. Isto porque o sistema operacional de equipamentos utilizados pela empresa era pertencente à DOCAS e buscava-se, na avença, cedê-lo à instalação portuária para dele fazer uso exclusivo, além de transferir a ela a responsabilidade integral por sua manutenção e conservação. Tratava-se, portanto, de cessão e trespasse de ativos, ao que cabe constar:
No caso dos contratos de passagem, s.m.j., entende-se que o objetivo da pactuação é o de permitir a utilização de área disponíveis do porto para interligação com a área da interessada, com alocação dos equipamentos afetos à movimentação de cargas, tais dutos e correias transportadoras, adquiridos a partir de investimentos realizados por conta e risco da empresa, ou seja, não há transferência de outros ativos da Autoridade Portuária além do terreno portuário, cujo uso pode ser exclusivo ou não, a depender do ordenamento operacional estabelecido para o porto.[1]
Ademais, no que tange à manutenção de prerrogativas constantes no contrato de arrendamento, ressaltou que novos instrumentos contratuais que versam sobre exploração de áreas e/ou instalações portuárias não se submetem, tampouco se vinculam, a condições de contratos expirados. Isto dado que novas contratações têm, também, o escopo de promover a eficiência das atividades portuárias, bem como as condições de operação atuais e futuras dos portos, ao compasso da dinamicidade do setor – estando, assim, configurada a impossibilidade de mera transcrição do contrato anterior.
A Procuradoria Federal junto à ANTAQ (PFA), em parecer, restringiu-se tão somente à análise da adequação contratual para esclarecer que, diferentemente do contrato de arrendamento regulamentado pela Lei nº 12.815/13, o contrato de passagem não se comunica com o trespasse de exploração de área ou instalação em regime exclusivo ao particular. Destarte, uma vez que o caso em comento alude à instalação portuária pública no porto organizado, a transferência deve acontecer mediante contrato de arrendamento, precedido de licitação, conforme o quanto observado à Lei dos Portos.
Mais uma vez, a setorial técnica se pronunciou, desta vez, indeferindo o pleito de prorrogação do Contrato C-DEPJUR nº 086/98, expirado ao dia 10 de dezembro de 2018, arguido pela empresa Moinhos Cruzeiro do Sul S.A. Para isto, a solução exigiria a nova celebração de contrato de arrendamento, restando imprescindível a manifestação dos interessados perante a Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários visando à inauguração do processo.
No ensejo, elucidou duas hipóteses de composição da divergência: (i) considerando-se presentes caraterísticas de ambas as espécies contratuais – de arrendamento e de passagem –, seria cabível a celebração de contrato de passagem, consoante aos artigos 35 a 44 da Resolução Normativa nº 07/2016-Antaq; ou (ii) sendo acolhida a tese que impõe a necessidade de celebração de contrato de arrendamento, deverão os interessados pronunciarem-se ao Poder Concedente com vistas a instaurar o devido processo licitatório.
Em sede de despacho, a Superintendência de Outorgas acompanhou a setorial técnica no quanto à acolhida do contrato de passagem como melhor solução regulatória, nos termos dos artigos 35 a 44 da Resolução Normativa nº 07/2016-Antaq: “porquanto (...) a área referente à moega está umbilicalmente vinculada e só tem propósito quando representa a saída da servidão de passagem” [2] .
Finalmente, a setorial GRP considerou possíveis de cabimento os contratos de arrendamento, transição e passagem. Quanto ao último, ressaltou que o objeto da consulta corresponde a uma conexão entre a área primária e uma instalação portuária em retroárea – onde acontece o transporte de cargas do berço de atracação para as áreas de armazenagem de trigo –, cabendo ao particular a transferência da posse dos equipamentos, razão pela qual é a espécie de contrato que mais se molda à exploração.
Muito embora o processo nº 50300.015000/2019-16 tenha sido retirado da pauta à 485ª Reunião Ordinária de Diretoria, e careça de sentença decisória definitiva, é cediço que a discussão que dele nasceu foi frutífera acerca dos conceitos normativos e cabimento das espécies de instrumentos contratuais levantadas pelas partes. Os futuros desdobramentos, de certo, serão de relevância ao setor portuário regulatório.
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[1] Item 17 da Nota Técnica nº 143/2019/GPO/SOG.
[2] Despacho. Superintendência de Outorgas (SEI Nº 1107662).
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