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Resolução nº 7935 ANTAQ – Suspensão das disposições atinentes à sobre-estadia de contêiner - Cartilha de direitos e deveres dos usuários da navegação marítima e de apoio

Resolução nº 7935 ANTAQ – Suspensão das disposições atinentes à sobre-estadia de contêiner - Cartilha de direitos e deveres dos usuários da navegação marítima e de apoio

B14 | Seção: MARÍTIMO | Página nº 34

A resolução em destaque no título do presente artigo adveio ao ordenamento jurídico como consequência do pleito formulado pela USUPORT (Processo nº 50300.012912/2020-70).

O leitor observará que a decisão – proferida em sede liminar – está adstrita à natureza jurídica que a Cartilha de Direitos e Deveres dos Usuários da Navegação Marítima e de Apoio tenta emprestar à sobre-estadia de contêiner. Conquanto relevante a discussão atinente à natureza – cláusula penal ou indenização -, o debate é ainda mais profundo, porquanto remonta às práticas há muito adotadas pelos armadores, proprietários de contêineres.

Além questionar a “legitimidade” da cartilha para delimitar a natureza jurídica do instituto, o reclamo da associação revolve os preços exigidos, muito distantes da realidade do mercado, e impostos sem qualquer margem para negociação.

Em sua manifestação a USUPORT registra que o documento define o objetivo da cobrança, i.e., compelir o usuário à devolução do contêiner. Ao final, contraditoriamente, a cartilha aponta que o instituto não tem natureza de cláusula penal.

Amparando-se nesse argumento, o Diretor Relator deferiu o pedido liminar, sendo a posteriori acompanhado pelo Diretor Geral Substituto, mantida incólume a decisão pelos seus próprios fundamentos:
“(...) ao se atribuir o caráter de "ressarcimento das perdas e danos do transportador marítimo" à sobre-estadia de contêiner, evidencia, a juízo deste Diretor Relator, uma natureza indenizatória a sobre-estadia, coisa que a norma não o fez.
(...)
De igual sorte, em relação à assertiva contida na Cartilha de Direitos e Deveres dos Usuários da Navegação Marítima e de Apoio, de que a sobre-estadia tem a finalidade de "compelir à devolução do contêiner", está atribuindo ao instituto a natureza jurídica de cláusula penal. Sendo que, reitero, na edição da Resolução Normativa nº 18-ANTAQ, de 2017, SEI nº 0405919, não se definiu a natureza jurídica da sobre-estadia de contêiner (...)
Muito embora conste na mesma página "7" da Cartilha de Direitos e Deveres dos Usuários da Navegação Marítima e de Apoio, a observação de que a "sobre-estadia não possui a natureza jurídica de cláusula penal", o que constitui, a juízo de Diretor Relator, contradição no próprio documento, o fato de explicitar a finalidade de compelir à devolução do contêiner, a juízo deste Diretor, implica em reconhecimento de verdadeira cláusula penal. (...)”

Em que pese a decisão liminar exarada, os pontos levados ao conhecimento da Agência Reguladora possuem outras importantes nuances.

Para a demandante da medida cautelar a cartilha não representa a realidade do mercado; as sobre-estadias não são livremente negociadas; os valores são pré-fixados em tabelas impostas, por meio de termos de responsabilidade e devolução de contêiner, com cláusulas abusivas e valores muito acima dos custos marginais.

Aliás, nesse sentido, a própria decisão lembra que tais questões estão em análise na Agência Reguladora.

“(...) ressalto que nos autos do processo nº 50300.010899/2020-14, relatado por este Diretor, foi publicada a Resolução nº 7.622, de 3 de agosto de 2020, no qual se aprovou o Plano de Trabalho GRM, SEI nº 1079630, sobre o tema 2.2 da Agenda Regulatória ANTAQ do biênio 2020/2021, que versa sobre o desenvolvimento de metodologia para determinação de abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêineres (...)

Temos trazido à lume a mesma discussão e nos debruçado sobre as práticas acometidas aos usuários. Parece-nos que os fundamentos lançados pela requerente da medida cautelar têm certa guarida.

Na demurrage – sobre-estadia incidente na importação -, exemplo recente de prática adotada em detrimento dos usuários é a recusa do contêiner antes do pagamento dos valores devidos (ou entendidos como devidos) ao armador.

Num expediente que remete claramente para o que a doutrina de Direito Civil denomina venire contra factum proprium, o proprietário do contêiner recusa o recebimento do cofre de carga, concorrendo deliberadamente para a elevação do número de dias e o valor da sobre-estadia. A Agência Reguladora, também em sede de medida cautelar, entendeu haver elementos necessários para determinar que a transportadora se abstivesse de exigir o pagamento de sobre-estadias de contêineres antes da devolução dos equipamentos. O decisum foi instrumentalizado pela Resolução nº 7.574/2020.

Para maior detalhamento desse modus operandi nas cobranças de demurrage e conhecimento acerca da visão tecida pela ANTAQ em tais casos, remetemos o leitor para o artigo “Armador que se recusar a receber contêiner em débito merece o quê?”, integrante deste Boletim.

Não é preciso perscrutar muito para depreender que as práticas na detention - sobre-estadia incidente na exportação -, assim como na demurrage, também afrontam a razoabilidade e às próprias disposições da ANTAQ.

Passando à análise um pouco mais minudente de algumas práticas que incidem na detention, impende dizer que a Agência, a partir da Resolução nº 18/2017, passou a entregar aos usuários do transporte marítimo sua interpretação sobre pontos sensíveis dessa relação, a exemplo do termo final para a cobrança.

Sob o prisma do marco final para a cobrança de detentiom, a ANTAQ definiu que "a responsabilidade do usuário, embarcador ou consignatário pela sobreestadia termina no momento da devida entrada do contêiner cheio na instalação portuária de embarque" (artigo 21). Não há margem para interpretação, restando suficiente a literalidade do normativo que estabelece o lapso final para a cobrança.

Em que pese a clareza da delimitação temporal e o entendimento consolidado nos processos administrativos que versam sobre o tema na ANTAQ, não são raros os casos em que as empresas transportadoras cobram detention após esse termo final, i.e., quando o usuário já entregou a carga desembaraçada no terminal para embarque e não mais detém ingerência sobre o equipamento de transporte. Assim, para o usuário, a obrigação (entrega do contêiner) está exaurida, nada justificando qualquer cobrança por período subsequente.

A partir desse momento, portanto, qualquer cobrança é indevida. Essa ilicitude não termina aqui, diga-se. Também não é incomum que ocorra a postergação do embarque por questões meramente operacionais do armador. Assim, mais uma vez beneficiando-se de ato próprio para auferir ganho em detrimento de terceiro, o transportador e proprietário do contêiner prolonga a estada da carga no terminal de embarque.

A conduta em tela configura infração prevista pela Resolução nº 18/2017, tipificada pelo ato de “cobrar do usuário ou do embarcador (...) serviços prestados em decorrência do não embarque das cargas no prazo previamente programado, salvo se aquele lhe der causa, sob pena de multa de até R$ 100.000,00” (artigo 30, inciso VI).

Outras práticas existem e vêm sendo infligidas aos usuários. O tema é denso e, por ora, deixaremos o leitor refletir sobre as considerações aqui apresentadas. Sem prejuízo, em edições próximas deste Boletim, revolveremos outros comportamentos igualmente desfavoráveis aos usuários.

Para uma melhor experiência na leitura, considere ler o boletim no formato PDF, através do botão localizado no início da página.

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