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Mudanças na lei de ação civil pública à luz dos projetos de lei nº 4.778 e nº 4.441 de 2020


Os Projetos de Lei nº 4.778 e nº 4.441 de 2020, de autoria, respectivamente, dos Deputados Marcos Pereira (Republicanos/SP) e Paulo Teixeira (PT), regulamentam novo processo que revoga a atual Lei de Ação Civil Pública e modifica os artigos 81 a 104 do Código de Defesa do Consumidor.


Atualmente, os Projetos de Lei tramitam apensados na Câmara dos Deputados e aguardam parecer do Relator Dep. Enrico Misasi (PV-SP) na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).


As normativas buscam a defesa dos direitos coletivos difusos cuja tutela se encontra dispersa em outros dispositivos e na jurisprudência dos Tribunais. Nesse sentir, ambos os projetos nasceram da necessidade de uma organização sistemática do processo coletivo, consolidando práticas eficientes e incrementando pareceres da doutrina brasileira à legislação.


No presente artigo, procuramos expor os principais pontos e controvérsias levantados após a publicação dos citados projetos.


Em seus primeiros artigos, as propostas reiteram a definição das categorias de direitos disciplinadas pelo regime da Lei de Ação Civil Pública. Contudo, a manutenção da divisão entre direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais homogêneos foi considerada como uma ausência de aprimoramento da matéria, pois, na prática, as definições se submetem a interpretações imprecisas decorrentes da própria limitação legislativa, as quais variam a cada caso concreto.


Também merecem atenção os artigos 6º e 11, § 2º do PL nº 4.441 e os artigos 4º e 5º do PL nº 4.778 na medida em que impõem exigências formais na representatividade das associações nas ações civis a partir de conceitos terminológicos vagos.


A título de exemplo, há a exigibilidade de autorização estatutária ou assemblear para a propositura da ação (art. 11, § 2º, PL nº 4.441), requisito este expressamente dispensado nos termos do artigo 82, inciso IV, do Código de Defesa de Consumidor, o que, inclusive, poderia gerar discussões a respeito da incompatibilidade e prevalência de normas, especialmente pelo fato de ser contrário ao sistema de proteção consumerista dificultar o acesso à justiça por meio de legislação que aumenta exigências formais para o ajuizamento de ações tão relevantes como as que visam à proteção de direitos difusos e coletivos.


Outrossim, como defenderam Gustavo Osna et. al (2020)[1], há violação constitucional na pretensão do Ministério Público de ajuizamento de medida para dissolver a associação que carecer de representatividade adequada e atuar com desvio de finalidade (art. 4º, § 4º, PL nº 4.778/2020). Essa previsão seria verdadeiro impedimento de acesso à justiça e ao direito de livre associação, preceituados no artigo 5º da Carta Magna.


Em que pesem os óbices ao amplo e regular acesso à justiça exarados no parágrafo anterior, o artigo 14 da proposta do Deputado Marcos Pereira delimita a competência do foro da capital do Estado (preferencialmente de varas especializadas) no processamento da ação coletiva, o que “pode dificultar sobremaneira a atuação de associações da sociedade civil locais, se não para o ajuizamento, certamente para o devido acompanhamento dos atos processuais”[2]. Contudo, há de se referendar a faculdade do exequente em optar pelo foro de seu domicílio na fase do cumprimento de sentença, prevista na segunda parte do mesmo dispositivo.


Os projetos de lei, embora possuam um objetivo comum, percorrem caminhos por vezes opostos. É o que ocorre, por exemplo, em dois momentos a seguir abordados:


No que tange aos fundos e destinações de indenizações provenientes das ações coletivas, o PL nº 4.778/2020 versa que a indenização pelo dano causado (patrimonial e extrapatrimonial) será revertida a um fundo gerido por Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais dos quais participarão representantes da sociedade de sorte a decidirem sobre a destinação de seus recursos (artigo 31). Em contrapartida, o PL nº 4.441/2020 traz mudanças mais acentuadas ao prever a destinação de eventual indenização a fundo ou atividade de reparação previamente definido pelas partes, por acordo, ou pelo juiz, na decisão da demanda.

Em relação à prescrição das pretensões individuais, o PL nº 4.441/2020 determina sua interrupção a partir do ajuizamento da ação coletiva. Em contrapartida, o PL nº 4.778/2020 é contrário à suspensão da prescrição, o que atribui a cada litigante a faculdade de disputar em juízo individual tutelas intrinsicamente benéficas e efetivas de uma demanda coletiva.

Ainda que as propostas legislativas possuam pautas controversas, matérias relevantes, em especial relacionadas à defesa do consumidor, foram apresentadas. Dentre elas, cita-se a preservação da competência territorial no foro do domicílio do consumidor em causas individuais, incorporando novo inciso ao artigo 53 do Código de Processo Civil.


Do mesmo modo, o PL nº 4.441/2020 estende a regra do artigo 88 do Código de Defesa do Consumidor ao Código de Processo Civil na medida em que impede que o fornecedor demandado chame ao processo outros fornecedores. A proibição impede a solidariedade na cadeia de consumo perante o consumidor e protege a premissa de que cabe a ele, exclusivamente, a escolha sobre contra quem quer demandar.


As reformas sugeridas pelos Projetos de Lei nº 4.778 e nº 4.441 nascem da relevância das ações coletivas no ordenamento jurídico como instrumento que se presta ao controle popular de atos do Poder Público que atentem contra o meio ambiente, o consumidor, o patrimônio público e social, a ordem urbanística, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, dentre outros interesses difusos da sociedade.


As propostas vêm em boa hora para oferecer maior segurança jurídica, além de uma bem-vinda compilação de legislações esparsas sobre o tema, sobretudo reforçando a tutela jurídica do réu e efetividade ao processo coletivo.


Entretanto, serão necessários ainda maiores debates acerca da matéria a fim de dirimir lacunas, incoerências e divergências legislativas, firmando um processo democraticamente constituído e amplamente discutido por especialistas e pela sociedade civil.


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