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CLANDESTINIDADE NA NAVEGAÇÃO AUTÔNOMA


No ano de 2020, ainda que em meio à pandemia do novo Coronavírus, o Tribunal Marítimo apreciou inúmeros processos envolvendo clandestinidade. Ainda que os casos divergissem em conteúdo, as decisões foram quase sempre unânimes, pela responsabilização do inspetor naval, e por vezes, do comandante do navio. Entretanto, com o advento da inteligência artificial, somada aos documentos que tratam da regulação das embarcações autônomas, restou o questionamento, como solucionar os conflitos referentes à responsabilização pela presença de clandestinos à bordo?


De acordo com o Regulamento Provisório para Operação de Embarcação Autônoma, editado pela Superintendência da Segurança do Tráfego Aquaviário, o Oficial de Quarto é o tripulante responsável – representando o Comandante – pela embarcação autônoma, quando em operação. No entanto, diante uma embarcação não tripulada, o cenário brasileiro conta ainda com a participação dos agentes de tratamento de dados e a possibilidade do agente de Inteligência Artificial, disposto pelo Projeto de Lei 21/2020, da Câmara dos Deputados[1]. Contudo, deve ser ressaltado que existem níveis diferentes de automação, o que compreende variadas formas de atuação humana[2], seja a bordo ou em terra.


Ou seja, diante o pandemônio de pessoas capacitadas para o serviço, devido a inexistência de um marco legal da IA no país, extrai-se da leitura sobre o assunto, comparando o ensinamento do deputado europeu Axel Voss[3], de que a jurisdição pátria deveria adotar um sistema de responsabilidade civil solidária, excluída qualquer interpretação ostensiva a concausalidade alternativa – prejudicando um agente de dados em detrimento dos demais – devido, ainda, a previsão civil de excludente de responsabilidade perante uma eventual falha de sistema e rompimento do nexo de causalidade por caso fortuito ou de força maior (Art. 393 do Código Civil).


Atenta-se para o fato de que, segundo Julian Clark, sócio sênior da banca inglesa de advogados Ince, em webinar realizado em parceria com a Advocacia Ruy de Mello Miller, qualquer falha operacional relativiza a segurança cibernética e os dados compartilhados entre contratante e contratado. Não obstante, havendo necessidade e/ou urgência, primeiro deve ser contatado o operador de dados e em seguida o respectivo advogado. Destaca-se, ainda, para umas das disposições do Organização Marítima Internacional, que a partir de 2021 todas as companhias de Direito Marítimo deverão dispor de segurança cibernética nos sistemas das próprias empresas, o que significa que em breve poderemos ver este tema integrando cartilhas de treinamento de marítimos, das mais baixas às mais altas posições.


Diante deste novo cenário, a Bureau Veritas, uma organização internacional de certificação e normas, editou um ‘Guia Para Navegação Autônoma'[4], o qual dispõe que qualquer embarcação guiada por esta cartilha, deve estar, necessariamente, em conformidade com as regulamentações nacionais, além daquelas aplicadas por convenções internacionais. Note, por exemplo, que o Código Internacional para Proteção de Navios e Instalações Portuárias (ISPS Code, na sigla em inglês), deve ser assegurado pelo proprietário do navio, como base para detecção de tratamentos de segurança.


Portanto, de acordo com o ‘Guia Para Navegação Autônoma’, as medidas de proteção no controle de riscos a serem adotadas seriam, dentre outras, investimentos em melhores sensores e sistemas de prevenção, assim como embarcações sem acomodações, a fim de evitar a entrada e permanência de clandestinos a bordo, opções estas que são observadas pelo Sistema de Sensores e pelo Centro de Controle Remoto, respectivamente.


Na legislação brasileira, a clandestinidade é considerada como fato da navegação, capitulada no artigo 15, alínea “e” da Lei 2.180/54, no que dispõe sobre risco da navegação, da embarcação e de eventuais vidas a bordo, sendo, portanto, o julgamento destes casos, de competência do Tribunal Marítimo (art. 13, I da Lei 2.180/54). Todavia, a Bureau Veritas Marine & Offshore, nas disposições gerais, estipulou que todas as condições constantes do documento seriam regidas pelas leis da Inglaterra e do País de Gales, sendo que perante qualquer litígio as partes deveriam, primeiramente, buscar a conciliação amigável, na melhor forma de direito. Não sendo possível, a demanda seria apreciada sob as Regras de Arbitragem da Câmara Arbitral de Paris, com foro de eleição situado em Paris, sob processo confidencial.


De acordo com todo o exposto e observada a máxima latina ‘Pacta sunt servanda’, devem ser avaliados os dispositivos legais que dispõem sobre o assunto, o modelo de navio, tal qual o nível de automação, e o contrato pactuado entre as partes. Não obstante, ressalvada a fala de Julian Clark, é inútil revisar todos os acordos que existem sobre Direito do Mar, logo, precisamos de um nova previsão legal para os riscos da segurança cibernética na navegação e tudo que ela abarca e representa, assim como deve haver maior compreensão de todos os envolvidos no setor, para que possam ser fortalecidas as normas e disposições da OMI tal como qualquer outra regulamentação que venha acrescentar segurança jurídica.




[1] PL 21/2020: a criação de um marco legal é apenas o primeiro passo para a sustentabilidade da inteligência artificial no Brasil.

Acesso em: 20/01/2021.


[2] Autonomous Shipping.

Acesso em 21/01/2021.


[3] MEDON, Felipe. Tendências para a responsabilidade civil da Inteligência Artificial na Europa: a participação humana ressaltada.

Acesso em 20/01/2021.


[4] Guideline for Autonomous Shipping.

Acesso em: 08/01/2021.





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