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Por quem os sinos dobram?


Em decisão proferida ao dia 5 de setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou os Embargos de Declaração opostos pelo Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) contra o Acórdão que determinara à ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) a fiscalização do trânsito de navios estrangeiros em território brasileiro, bem como da cobrança do Terminal Handling Charge (THC).

Em sede recursal, a Centronave pugnou pela obscuridade no fundamento sobre o qual o TCU havia imputado à ANTAQ a necessidade de se garantir que o valor empenhado pelos usuários correspondesse integralmente ao montante pago pelos armadores aos operadores portuários.

Pois bem, a discussão principal na corte de contas envolve a natureza da cobrança do THC. O artigo 3º da Resolução ANTAQ nº 2.389/2012 define o THC como a “taxa cobrada pela empresa de navegação do exportador, importador ou consignatário com vistas a ressarcir despesas relativas à movimentação de cargas pagas ao operador portuário”[1].

Dessa forma, sustenta-se que o valor arrecadado deveria ser repassado integralmente ao terminal portuário. Porém, constam denúncias de que os armadores e agências vêm transferindo valor menor que aquele cobrado ao usuário e de que isto poderia caracterizar uma prática ilegal e abusiva.

Segundo a Embargante, o dispositivo supramencionado denota que ressarcimento pressupõe indenização, ou seja, reparação por prejuízo causado e, por isso, pode ser de valor menor, igual ou maior ao dano sofrido pela parte ressarcida. Foi destacado, então, que a Resolução não traria fundamentos jurídicos para justificar o entendimento do Acórdão embargado no sentido de que o valor investido pelo usuário correspondesse inteiramente ao pago pelos armadores aos operadores portuários – uma vez que a taxa não teria o escopo de reembolsar os armadores.

Defendeu, no ensejo, que a própria ANTAQ já havia reconhecido a incoerência na utilização do termo “ressarcimento”. Ademais, o valor do Terminal Handling Charge é livremente pactuado entre particulares, sendo fixado por meio de negociações que se adequam a cada caso concreto.

A auditora, em manifestação, mostrou que o artigo 4º da Resolução Antaq 34/2019, reforçando o artigo 4º da Resolução Antaq 2.389/2012, assegura a livre negociação da remuneração relativa aos serviços prestados pelos terminais e operadores – fato que, de acordo com a Centronave, poderia ensejar variações de preço do THC. Entretanto, o valor acordado deve ser publicado, informado e analisado pela Agência a fim de coibir condutas abusivas.

Sobreveio a decisão. O Ministro Relator Benjamin Zymler conheceu da necessidade eminente de mudanças na atuação da agência reguladora e, por isso, manteve sua posição primeira. Entendendo que a ANTAQ dispõe de todas as condições essenciais para o estabelecimento de uma composição básica do Terminal Handling Charge, determinou a apresentação de plano de ação para coibir abusos e garantir respeito ao caráter de ressarcimento da taxa, com vistas a maior controle, segurança e transparência – elementos esses combativos a práticas abusivas e desleais na atividade portuária.

Outro ponto pautado pela Centronave foi a contrariedade no reconhecimento de inexistência de fundamento jurídico para a outorga de autorização a armadores estrangeiros concomitante ao apontamento da ausência de impedimento para que a ANTAQ exigisse tal autorização. Isto porque a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional não imputariam à Agência nenhum poder de natureza normativa que a habilitaria ao condicionamento da operação de armadores estrangeiros à outorga de autorização.

Segundo a Embargante, sua atuação deveria obedecer fielmente aos limites da legalidade. Assim, uma vez que as competências investidas pela legislação brasileira não abrangem a outorga de autorização para que empresas estrangeiras realizam o transporte marítimo de cargas em águas do Brasil, a ANTAQ estaria impedida de condicioná-las à outorga de autorização.

Quanto à contradição, o Ministro manifestou-se no sentido de que não considerava haver óbices à agência reguladora para a exigência da outorga, desde que atue dentro de suas competências discricionárias. Na mesma toada, a implementação e regulação da autorização em comento permite maior controle sobre a entrada e saída de navios do território brasileiro. Outrossim, o julgador considerou imprescindível que a Agência adote procedimentos a assegurar que as empresas estrangeiras que navegam e atendem aos portos do Brasil cumpram seus deveres contratuais, celebrados nos acordos bilaterais, consoante ao artigo 178 da Constituição Federal[2], a fim de respeitar os demais usuários e agentes portuários.

Malgrado os elementos apresentados pela Centronave tenham sido insuficientes para ensejar o acolhimento dos Embargos de Declaração, mesmo assim eles foram de extrema importância para direcionar os holofotes sobre duas grandes questões: a natureza e forma de cobrança do Terminal Handling Charge e a regulamentação de outorga de autorização a players estrangeiros.

Os temas deverão ser tratados pela ANTAQ na linha das recomendações realizadas pelo TCU no acórdão objeto dos Embargos de Declaração em destaque. Sobre esse ponto é oportuno destacar que a ANTAQ tem demonstrado completa deferência às determinações da Corte de contas, permitindo, assim, que haja uma intervenção no exercício de sua atividade-fim.

Um estudo realizado pelo Observatório de Controle da Administração Pública da USP[3] indica que o único caso em que não houve o acatamento imediato da manifestação do tribunal foi em decorrência de a decisão acarretar ônus financeiro à agência e a um de seus ex-diretores.

Por conta disso, não podemos ignorar que o controle das atividades de regulação com base na fiscalização operacional do TCU, de alguma forma, altera a vontade do legislador que atribuiu à ANTAQ a prerrogativa de promover a elaboração de normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de transporte e à exploração da infraestrutura aquaviária e portuária.

Cabe a todos os interessados, importadores, exportadores, agentes de carga, transportadores, terminais portuários, operadores portuários trabalhar junto à ANTAQ para que se promova a devida regulação da matéria, encaminhando a discussão para se evitar, inclusive, prejuízos indiretos como o de autuações e cobranças tributárias.

Em breve resumo, a discussão fomentada pelo TCU é de todo relevante, mas é preciso lutar para que seja preservada a autonomia e independência da agência reguladora, que precisa apresentar estudos técnicos e promover o diálogo adequado com os regulados, de modo a evitar àquilo que no fim e ao cabo tem acontecido, que é prevalecer a interpretação controladora e a perspectiva de efemeridade dos regulamentos e disposições da agência reguladora.

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[1] Art. 3º A Taxa de Movimentação no Terminal (Terminal Handling Charge - THC) poderá ser cobrada pela empresa de navegação, diretamente do exportador, importador ou consignatário, conforme o caso, a título de ressarcimento das despesas assumidas com a movimentação das cargas pagas ao operador portuário, ou seja, a Cesta de Serviços (Box Rate).

Parágrafo único. A comprovação de pagamento da Taxa de Movimentação no Terminal (THC) é condição necessária para a liberação de cargas de importação por parte dos Recintos Alfandegados.

[2] Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1995)

Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 7, de 1995)

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