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BR do Mar e o (amplo?) poder regulamentar


Uma das primeiras impressões que extraímos do texto original do PL 4199/2020 (BR do Mar) foi a margem deixada para o Poder Executivo. Nos termos da norma, mesmo para se constituir como EBN, os requisitos dependerão de regulamentação (art. 3º §2º). O mesmo vale para a habilitação ao programa, igualmente condicionada a ato normativo posterior (art. 4º, §3º).

Muitos dos pontos conferidos ao Poder Executivo poderiam estar já contemplados no texto emanado do Poder Legislativo. Além de permitir debate mais amplo no Congresso Nacional, franqueando maior participação dos interessados, evitar-se-ia discussão que revolve, inclusive, a constitucionalidade de alguns dispositivos.

Não se deve fazer tábula rasa do debate e imaginar que tudo que remonta à regulamentação via decreto seria inconstitucional. Com certeza não, porquanto instrumento normativo erigido pela Carta Magna, que tem o condão de instrumentalizar a Lei. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles, o Decreto regulamentar ou de execução “é o que visa a explicar a lei e facilitar sua execução, aclarando seus mandamentos e orientando sua aplicação” (Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 2016, p. 205).

Em que pese a adequação do Decreto regulamentar ao ordenamento jurídico pátrio, de modo a não malferir o famigerado sistema de freios e contrapesos entre os Poderes – de todo salutar e necessário ao Estado Democrático de Direito -, é imprescindível o equilíbrio na sua adoção. Do contrário, haverá a sobreposição de um poder sobre o outro (no caso, do Executivo sobre o Legislativo) e o desvirtuamento da função precípua exercida por cada um.

Noutras palavras, a Lei que eventualmente “delega” em excesso ao Poder Executivo pode quebrar a necessária harmonia - check and balances – e representar um “cheque em branco” ao Executivo.

Não se olvida, ainda, a tecnicidade inerente à moderna intervenção estatal ocorrente por meio das Agências Reguladoras. Não existirá qualquer óbice para que o ente setorial técnico – ANTAQ - se debruce sobre os temas previstos no PL 4199/2020. Nem se questione, sob esse aspecto, a suposta interveniência na esfera privada, que precipuamente rege a relação de transporte (embarcador x transportador).

Focando nessa vertente técnica que acomete a Agência, consectária da moderna concepção de Estado, Marçal Justen Filho ressalta que “o objetivo da regulação é conjugar as vantagens provenientes da capacidade empresarial privada com a realização de fins de interesse público; especialmente quando a atividade apresentar relevância coletiva, o Estado determinará os fins a atingir, mesmo quando seja resguardada a autonomia privada no tocante à seleção dos meios” (O Direito das Agências Reguladoras Independentes, Dialética, Belo Horizonte, 2002, p.30).

Embora parte do segmento ainda clame pela “não regulação”, o interesse público que permeia o transporte marítimo é inafastável. Mesmo sob esse viés técnico - poder-dever estatal de regulação -, as entrelinhas do texto normativo revelam um certo esvaziamento, transparecendo que mais se entregará ao Ministério da Infraestrutura e menos ao ente técnico, no caso a Agência Nacional de Transportes Aquaviários.

Diante desse cenário, emendas passam a emergir questionando a opção normativa de delegar sobremaneira ao Poder Executivo. A exemplo, emenda proposta pelo Deputado Federal Fausto Pinato (EMP nº 35) reclama a supressão de dispositivos que conferem ao Poder Executivo estabelecer condições para o emprego de embarcação estrangeira na cabotagem (art. 7º, art. 8º, art. 11, III e art. 15).

Nos termos da sua exposição de motivos, o parlamentar consigna que o artigo 178, parágrafo único, da Constituição Federal dispõe que somente a Lei poderia fazê-lo, quedando inconstitucional, segundo a proposição, qualquer preceito que entrega a regulamentação do tema ao Poder Executivo.

“(...) a Constituição Federal estabelece que a Lei pode determinar condições nas quais a embarcação estrangeira pode ser empregada na cabotagem. O parágrafo único do art. 178 dispõe: “Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras”. Dessa forma, os dispositivos que delegam ao Poder Executivo estabelecer tais condições, são inconstitucionais. (...)”

Fato é que pontos sensíveis à navegação de cabotagem e seu fomento poderiam estar já contemplados na lei de regência, permitindo debate mais amplo e a participação plena dos representantes legitimados para tanto. Da forma como apresentado o texto original, todavia, são inevitáveis os questionamentos sobre os dispositivos que delegam em excesso ao Poder Executivo (Ministério da Infraestrutura).

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