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Lei nº 14.047/2020: medidas temporárias para enfrentamento da pandemia no âmbito do setor portuário?


No final de julho, o Senado aprovou o projeto de lei de conversão da Medida Provisória 945/2020, por 65 votos a 8, que versava, originalmente, sobre as medidas temporárias adotadas em função da pandemia do COVID-19 no âmbito do setor portuário.

Durante o trâmite no Congresso Nacional para conversão em lei, o texto da Medida Provisória sofreu alterações relevantes, que ampliaram significativamente o seu escopo.

Aparentemente, não se teve o devido rigor com relação à pertinência temática, sendo propostas alterações nas Leis nº 9.719/98 (trabalho portuário), 7.783/89 (greve), 7.565/86 (código brasileiro de aeronáutica) e 10.233/2001 (lei de criação da ANTAQ e ANTT), e também, propostas de mudanças estruturais na Lei n°. 12.815 de 2013, o que foi alertado por um importante nome do setor[1].

No último dia 24 de agosto, o projeto de lei foi sancionado se transformando na Lei nº. 14.047 de 2020. O novel diploma legal teve dois vetos específicos em seu corpo.

O primeiro veto dispôs sobre a suspensão das contribuições dos operadores portuários ao FEDPM, sendo observado pelo Ministério da Economia que “ao prever que a suspensão dessas contribuições se dará até 31/07/2021, sem apresentar a estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro, viola as regras do art. 113 do ADCT, art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (LRF) e do art. 116 da Lei nº 13.898, de 13 de novembro de 2019 (LDO)”.

O segundo veto envolveu a mudança proposta para o art. 3º, inc. II da Lei nº 12.815, constando como fundamento para isso o fato de que “ao alterar o dispositivo retirando a previsão de modicidade dos preços cobrados pelas instalações portuárias, passando a fazer alusão somente à modicidade para as tarifas praticadas no setor, efetua alteração perene à Lei nº 12.815, de 2013, não restrita ao momento de combate à pandemia, tendo potencial de causar uma oneração excessiva para aqueles que utilizam as instalações portuárias como meio logístico para a movimentação de suas cargas, sejam elas destinadas à cabotagem ou ao comércio exterior, principalmente àqueles que não detêm o controle da operação de terminais portuários, sujeitos às políticas de preços, o que tornaria sua logística não competitiva frente a outros mercados com o aumento dos custos.”

Todo restante foi mantido, sendo oportuno constatar que existe um endereçamento inicial relacionado ao programa de privatização da administração dos portos brasileiros, sendo este o motivo pelo qual se buscou fixar em lei a distinção do contrato de concessão em relação ao contrato de arrendamento portuário.

É possível observar que a antiga redação do art. 4º da Lei n° 12.815/2013 não realizava uma distinção clara entre as duas figuras: “A concessão e o arrendamento de bem público destinado à atividade portuária serão realizados mediante a celebração de contrato, sempre precedida de licitação, em conformidade com o disposto nesta Lei e no seu regulamento”.

A lei promulgada indica, por sua vez, o seguinte “A concessão de bem público destinado à exploração do porto organizado, será realizada mediante a celebração de contrato, sempre precedida de licitação, em conformidade com o disposto nesta Lei e no seu regulamento”.

Nele foi incluído, ainda, um inciso para estabelecer que os contratos celebrados entre o concessionário e terceiros, inclusive os que tenham por objeto a exploração das instalações portuárias, deverão ser regidos pelas normas de direito privado.

Essa é uma iniciativa que procura resolver um dos grandes problemas da administração do porto organizado que é a dificuldade relacionada aos procedimentos licitatórios e os respectivos contratos administrativos, que tornam a condução do porto morosa e imprevisível, entregando muitas vezes menos do que é esperado pelos arrendatários.

Grande evidência desse problema é a dificuldade das administrações portuárias em garantir a profundidade dos canais de acesso aos portos organizados.

Com relação ao arrendamento, foi determinada a simplificação das cláusulas contratuais, cláusulas estas que também serão aplicadas às autorizações de exploração de instalação portuária fora do porto organizado. Como exemplo, há a dispensa da previsão de acompanhamento e avaliação da qualidade da atividade prestada, bem como metas e prazos para o alcance de determinados níveis de serviço.

A cláusula acerca da reversão de bens também não se faz obrigatória para os contratos de arrendamento, o que, em última instância dispensaria a elaboração de Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) e simplificaria o processo licitatório.

Ainda concernente ao arrendamento, o artigo 5º-B, parágrafo único, prevê a dispensa de licitação na área do porto organizado quando estiver comprovada a existência de um único interessado em sua exploração. Referida dispensa deverá seguir os termos de um regulamento que ainda será elaborado pela autoridade competente e obedecerá aos seguintes requisitos: “realização de chamamento público pela autoridade portuária com vistas a identificar interessados na exploração econômica da área; e conformidade com o plano de desenvolvimento e zoneamento do porto”.

Deve-se portar em mente, que essas alterações encontram sua razão de ser na diminuição na burocratização e maior eficiência, “destravando” a lentidão dos processos de arrendamento, quando existe uma única empresa interessada no arrendamento. O arrendamento da área PAR01[2] é um exemplo em que o dispositivo em questão poderia ter sido utilizado.

Por derradeiro, a Lei nº 14.047/2020 retoma a possibilidade de um acordo, entre administração do porto organizado e o interessado na movimentação de cargas com mercado não consolidado, para o “uso temporário de áreas e instalações portuárias localizadas na poligonal do porto organizado, dispensada a realização de licitação” por um prazo de até 4 (quatro) anos.

Caso exista mais de um interessado na exploração temporária de determinada área, a administração do porto organizado deverá realizar um processo seletivo simplificado, que ainda será regulamentado por decreto. É preciso lembrar que o contrato de uso temporário foi estabelecido anteriormente pela própria ANTAQ, mas essa figura contratual teve a sua eficácia suspensa por decisão da Justiça Federal do Espírito Santo.

Outro ponto relevante é a inclusão da prerrogativa dada à ANTAQ para regulamentar outras formas de ocupação e exploração de áreas e instalações portuárias não previstas na legislação específica, alterando a redação do artigo 27 da Lei nº. 10.233 de 2001 mediante a inclusão do inciso XXIX.

Em breve resumo, não se ignora a necessidade de se promover um ajuste fino do marco regulatório do setor portuário dado que a sua maturação demonstrou a existência de diversos problemas, mas este ajuste precisa se dar de forma democrática, aberta, com discussão ampla sobre o impacto regulatório das mudanças propostas.

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