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Os defeitos no plano de passagem e a navegabilidade


Case recente envolveu o soterramento do navio “CMA CGM LIBRA” (Alize 1954 v Allianz Elementar Versicherungs AG - The CMA CGM LIBRA – 2019 - EWHC 481 – Admlty - 8 March 2019) ao navegar para fora do canal de dragagem. O incidente ocorreu no dia 17 de maio de 2011, em viagem que partiu de Xiamem com destino à Hong Kong. A problemática se dá em um espaço que, a princípio, não apresentava nenhum risco à navegabilidade, tendo em vista que o comandante, ao realizar a manobra, respeitou os exatos termos do plano de passagem. No Brasil, não há precedentes que aliem a inavegabilidade do navio à falha no plano de passagem, portanto, a análise se faz necessária.

A doutrina brasileira entende por navegabilidade a capacidade de o navio singrar os mares ou outras vias navegáveis de forma segura, mesmo em condições adversas. É a obrigação dos armadores e dos transportadores entregarem o navio em condições de enfrentar os perigos marítimos, conforme entendimento de Eliane Octaviano Martins[1]. Portanto, temos que o entendimento de navegabilidade, lato sensu, está diretamente ligado às condições físicas do navio, permitindo que as viagens sejam feitas sem qualquer percalço.

Outro conceito importante, é a condição de navegabilidade (seaworthiness), que alia as condições físicas adequadas do navio ao seu amoldamento com o serviço proposto. Embora o segundo elemento das condições de navegabilidade aparente encaixar-se no caso concreto, na verdade diz respeito à possibilidade e permissão que aquele navio tem para realizar o serviço designado (carga, transporte de pessoas, etc.) e não tem qualquer relação com o plano de passagem.

A navegabilidade pode ser analisada por diversos aspectos e, portanto, usamos os conceitos de navegabilidade técnica (physical seawhorthiness), funcional (cargowhorthiness) e operativa. A navegabilidade técnica analisa exclusivamente as condições físicas do navio, sua flutuabilidade, condições de navegar em segurança e a capacidade de enfrentar os contratempos do mar. Por outro lado, a navegabilidade funcional diz respeito à destinação do navio, podendo ser graneleiro, petroleiro, gaseiro, frigorífico e para qualquer outro fim específico.

A navegabilidade operativa merece análise conjunta com as anteriores, pois embora a embarcação atenda aos parâmetros técnicos e funcionais, sua documentação, tripulação e respeito às normas competentes devem estar em conformidade, para que o navio realize uma viagem regular e dentro dos moldes da legislação vigente. Assim, os navios em suas viagens podem respeitar as condições de navegabilidade por completo ou não, levando o navio a ter uma navegabilidade absoluta ou relativa.

Dessa forma, caso o navio atenda as condições de navegabilidade por completo (técnica, funcional e operativa), ele estará abarcado pela navegabilidade absoluta, uma vez que todos os requisitos necessários foram atendidos. Em contrapartida, caso o navio padeça de alguma das condições anteriores, estará em situação de navegabilidade relativa, pois olvida alguma das condições de navegabilidade necessárias.

A digressão acima disposta nos leva a crer que a doutrina brasileira analisa a navegabilidade em prisma diferente dos tribunais estrangeiros. O case proposto assevera que falha no plano de passagem ocasionou diretamente a condição de inavegabilidade do navio. O comandante, ao realizar manobra, respeitando os parâmetros do plano de passagem, ficou com seu navio preso em área onde funcionava antiga atividade de mineração. O plano de passagem não destacava esse local como área perigosa.

A diferença de análise da navegabilidade resta patente no momento em que é realizada a devida vistoria no navio, para saber se o soterramento causou algum dano à embarcação ou ao meio ambiente, e, embora nenhum não dano tenha sido constatado, não impediu que a condição de inavegabilidade fosse afastada. Poderíamos analisar, de forma análoga, a existência de um plano de passagem adequado à navegabilidade operacional.

Conjuntamente à adequação das exigências administrativas e legais que o navio deve adequar-se para seguir viagem, o caso denota a importância de um plano de passagem apropriado, que esteja atualizado no momento da partida e que não abra mão das atualizações necessárias. O mar muda diariamente e as rotas devem estar atentas às áreas perigosas, para evitar possíveis danos à carga, ao navio e ao meio ambiente.

Portanto, caso o judiciário brasileiro enfrente caso semelhante um dia, estaremos, possivelmente, diante de caso de navegabilidade relativa, por ausência de navegabilidade operacional.

[1] MARTINS, Eliane M. Octaviano. Curso de Direito Marítimo Vol. I – Teoria Geral, 4ª ed. Barueri: Manole, 2013, p. 126.

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