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FATO DO PRÍNCIPE: APLICABILIDADE DO ART. 486 DA CLT ANTE À PANDEMIA COVID-19


É de conhecimento público que a partir do dia 06 de fevereiro de 2020, oportunidade em que foi publicada a Lei nº 13.979, o Governo Federal formalmente estabeleceu as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública em razão da pandemia provocada pelo coronavírus (COVID-19), conferindo, inclusive, importância internacional ao cenário enfrentado.

Além do mais, verifica-se a possibilidade do Secretário de Saúde do Estado, do Munícipio, do Distrito Federal ou Ministro de Estado da Saúde ou superiores em cada nível de gestão[1], adotarem, dentre outras medidas[2], o isolamento[3] e a quarentena[4].

Dessa forma, cada ente federativo, com fulcro nos critérios de conveniência e oportunidade, ficou autorizado a determinar a quarentena, cuja finalidade é restringir as atividades operacionais dentro do território de sua competência, devendo manter, por óbvio, somente as essenciais à manutenção do próprio Estado ou Município (saúde, segurança, alimentação e abastecimento).

Todo esse cenário trouxe à tona o debate acerca da aplicabilidade do famigerado instituto o fato do príncipe (ou “factum principis”), insculpido na seara juslaboral no art. 486 da CLT, que estabelece que em caso de (i) paralisação temporária ou definitiva do trabalho, em razão de (ii) ato de autoridade municipal, estadual ou federal ou por lei ou resolução que (iii) impossibilite a continuação da atividade, ficará a cargo do governo responsável o pagamento da indenização.

Sendo assim, o factum principis é espécie do gênero rescisão contratual por força maior (art. 501 e seguintes), vez que um inevitável acontecimento em relação à vontade do empregador (imprevisibilidade), com o qual este não incorreu direta ou indiretamente, paralisou a empresa de forma temporária ou definitiva, sendo o bastante para determinar a interrupção de forma prolongada ou extinção da empresa ou de um de seus estabelecimentos (impossibilidade de continuação da atividade empresarial).

Em função dessa interrupção ou extinção ter ocorrido por fator inesperado, advindo de ato Estatal (seja pelo poder executivo ou legislativo) é que a legislação traz para a pessoa jurídica de direito público interno a responsabilidade pela indenização aos empregados, no que concerne, especificamente, às verbas resilitórias dos contratos de trabalho encerrados. Fala-se, nesta hipótese, que o pagamento pelo ente público se restringe tão somente à multa do FGTS e, possivelmente, ao valor referente ao aviso prévio, por possuírem caráter “indenizatório”, vez que o art. 486 da CLT fala em pagamento da “indenização”.

No entanto, diversas nuances desencadeiam desta análise, uma delas é o fato do art. 502 da CLT conceitua motivo de força maior somente os que “determinem a extinção da empresa”, não podendo, portanto, o empregador reduzir as verbas rescisórias se não preenchido este requisito: empresa extinta em razão do motivo de força maior.

Por outro lado, pode-se destacar que a interrupção das atividades exige que a Empresa não opere sob nenhum aspecto, seja em relação à sua atividade principal ou correlatas; a empresa não pode ter nenhuma movimentação: contas ativas, contratos ativos, e etc. Além disso, a interrupção das atividades empresariais somente se concretiza após formalização junto à Receita Federal (faz-se necessário o preenchimento e envio Ficha cadastral da Pessoa Jurídica FCPJ – evento 412 – à RFB)[5].

Dado o panorama geral, que partiu da construção legislativa de todo cenário atual aos conceitos envolvidos no tocante à invocação do factum principis é que faremos a análise da efetiva aplicabilidade do respectivo instituto.

A Medida Provisória n.º 927 de 22 de março de 2020 estabeleceu que o período de calamidade pública por que estamos passando é, para fins trabalhistas, considerado hipótese de força maior (art. 1º, §1º da MP 927/2020), ao mesmo tempo que a MP traz, de forma expressa, que as medidas ora regulamentadas servem para “preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública” (art. 1º, caput, da MP 927/2020).

Em que pese o período de calamidade pública estar constituído como hipótese de força maior, o Poder Executivo Federal cuidou de primar pela manutenção dos empregos e remunerações, tanto que trouxe medidas alternativas (art. 3º da MP 927/2020) às empresas para atingir tal mister.

Não obstante todo este contexto, faz-se necessário recordar que para caracterização do factum principis é preciso que o ato governamental importe, substancialmente, em extinção da empresa ou interrupção das suas atividades de forma a tornar insustentável os contratos de trabalho vigentes.

A jurisprudência, por sua vez, tem se manifestado no sentido de que para a caracterização do factum principis precisa estar comprovado a impossibilidade absoluta da execução dos contratos, sendo descartada as hipóteses em que a respectiva execução esteja, tão somente, mais onerosa ou difícil. Nesta situação, os magistrados têm entendido que tal responsabilidade é do empregador, em consonância com o art. 2º da CLT (princípio da alteridade).

Nesta esteira, é relevante ponderarmos que o cenário atual é totalmente atípico, desproporcional, diverso de tudo que a geração atual já presenciou, de modo que as medidas relativas à quarentena buscam primar, tão somente, a preservação da vida humana, tanto é que a paralisação se deu de forma genérica, atingindo a todos, excetuados os serviços essenciais, em completa manifestação de prevalência do interesse público em face do interesse particular (art. 8º da CLT).

Portanto, entendemos que a análise jurídica do factum principis precisa primar por todas as premissas ora levantadas, tanto em relação aos requisitos essenciais à sua aplicabilidade (caráter objetivo), como o cenário em que instituído o estado de calamidade pública e, consequentemente, as disposições contidas na MP 927/2020 (caráter subjetivo).

Independente do prisma analisado, entendemos que o art. 486 da CLT é de difícil aplicabilidade para o período em que estamos vivenciando.

[1]Art. 3º, §7º, da Lei nº 13.979/2020 c/c art. 4º, §§ 1º e 2º, da Portaria MS nº 356, de 11 de março de 2020.

[2]Art. 3º, I e II, da Lei nº 13.979/2020.

[3]Art. 2º [...] I. Isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus.

[4]Art. 2º [...] II. Quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.

[5] Instrução Normativa RFB n.º 1863 de 27 de dezembro de 2018.


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