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Compliance Trabalhista: uma realidade em construção no Brasil – Perspectivas


Em nossa série de artigos sobre compliance trabalhista no Brasil, discutimos, até o momento, o conceito e a contextualização do instituto, bem como os principais requisitos para a implementação de programas de compliance pelas empresas, com ênfase ao setor laboral. Para encerrar nossa análise, trazemos breves considerações acerca das principais implicações, positivas e negativas, relacionadas aos programas de integridade organizacional.

Como consequência de postura não compliant, em termos de direito trabalhista, podemos citar o exemplo da multinacional do ramo da moda Zara, que enfrentou grandes problemas com fiscalização laboral no Brasil, tendo sido autuada diversas vezes, em função de suas empresas terceirizadas utilizarem-se de trabalho análogo ao escravo na linha de produção de roupas comercializadas nas lojas da marca. As autuações geraram enorme passivo, relativo ao pagamento das inúmeras multas aplicadas à empresa.

Tal circunstância levou, ainda, a problemas de reputação da organização, não somente no Brasil, mas em dimensão mundial, na medida em que houve repercussão global do ocorrido via internet, com organização de boicote aos produtos da marca em diversos países.

É de se ressaltar, corroborando o asseverado, em relação à problemática da contratação de parceiros sem a correta análise, que a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13) prevê expressamente a responsabilidade da organização por atos de terceiros, em seu artigo 5º, incisos I e III.

Por outro lado, é certo que são diversos os benefícios da implementação de programa de compliance trabalhista, tais como, auxílio na solução de erros e na correta execução de exigências legais, no âmbito trabalhista e previdenciário; redução de perdas financeiras, na medida em que a observação da legislação determina a diminuição da aplicação de multas administrativas e autuações, bem como ajuizamento de demandas trabalhistas, além da identificação e combate a fraudes; atração e retenção de clientes, fornecedores, parceiros, investidores e bons funcionários, uma vez que a companhia passa a gozar de boa reputação em seu meio de atuação; aumento da capacidade competitiva da empresa em licitações, investimentos, contratos e financiamentos; redução da probabilidade de problemas internos, no relacionamento entre funcionários, como, por exemplo, situações de assédio moral e sexual.

É de se afirmar, portanto, que o compliance trabalhista determina a redução de despesas e a consequente economia de recursos financeiros das empresas, na medida em que torna as organizações mais competitivas, por meio do incremento de segurança e confiança em suas relações e negociações, quando observado, de maneira criteriosa, o correto cumprimento da legislação e das normas internas da companhia. Há, ainda, cuidado com a reputação da companhia, o que, em tempos de internet e velocidade de compartilhamento de informações, é de fundamental importância para o desenvolvimento dos negócios.

A título de curiosidade, seguem dois julgados recentemente proferidos pelo C. Tribunal Superior do Trabalho, a referir o compliance como elemento essencial para a análise dos fatos e do deslinde da causa:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. QUESTÃO JURÍDICA SUSCITADA E NÃO ENFRENTADA. TESE JURÍDICA VINCULADA À RUPTURA DA BOA-FÉ: CONTRATAÇÃO PELO EMPREGADO DE EMPRESAS COM AS QUAIS MANTINHA RELACIONAMENTO COMERCIAL. ATUAÇÃO CONFLITANTE COM OS INTERESSES DO GRUPO EMPRESARIAL. NORMAS DE GOVERNANÇA EMPRESARIAL E DE COMPLIANCE. DESCUMPRIMENTO. OMISSÃO CONFIGURADA. A análise dos autos revela que a empresa agravante defendeu, como fundamento autônomo para a resolução do contrato de trabalho, a quebra da boa-fé que deve presidir o vínculo de emprego, em razão da contratação pelo trabalhador - que atuava na condição de gerente - de empresas com as quais mantinha, por intermédio de outra empresa de sua propriedade, relações comerciais paralelas. Constatada possível violação do artigo 93, IX, da Constituição Federal, impõe-se o provimento do Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido. II. RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. QUESTÃO JURÍDICA SUSCITADA E NÃO ENFRENTADA. TESE JURÍDICA VINCULADA À RUPTURA DA BOA-FÉ: CONTRATAÇÃO PELO EMPREGADO DE EMPRESAS COM AS QUAIS MANTINHA RELACIONAMENTO COMERCIAL. ATUAÇÃO CONFLITANTE COM OS INTERESSES DO GRUPO EMPRESARIAL. NORMAS DE GOVERNANÇA EMPRESARIAL E DE COMPLIANCE. DESCUMPRIMENTO. NULIDADE CONFIGURADA. 1. Hipótese em que a empresa apresentou vários argumentos em abono da justa causa aplicada ao trabalhador, entre os quais a circunstância, autônoma e independente, da quebra da boa-fé que deve presidir o pacto laboral, em razão da contratação de empresas com as quais o trabalhador, por meio de empresa de sua propriedade, mantinha relações comerciais paralelas. A Corte Regional examinou a questão apenas sob o prisma de inexistência de pagamentos pelas referidas empresas para a empresa da qual o Autor era sócio, salientando não haver qualquer prova nesse sentido. E não obstante a oposição de embargos de declaração, manteve-se silente acerca do aspecto suscitado e que assume, em tese, potencial para justificar a dissolução do contrato. 2. No campo das relações contratuais, por imposição da própria nota ética que fundamenta e preside o convívio social, estruturado sob a égide do Estado Democrático de Direito, assume prestígio a função social do contrato (instrumento jurídico que materializa o exercício da liberdade no campo negocial), que deve ser celebrado e executado com estrito cumprimento dos princípios da probidade e da boa-fé (CCB, artigos 421 e 422). No âmbito das relações de emprego, em particular, em que o vínculo se estabelece entre o trabalhador (pessoa natural) e a pessoa física ou jurídica contratante, a boa-fé objetiva assume ainda relevância extremada, pois o vínculo jurídico estabelecido, de caráter pessoal em relação ao trabalhador, assume natureza contínua, projetando-se no tempo, com a renovação permanente de direitos e deveres recíprocos. Há, por isso, a expectativa legítima de que os atores se conduzam de forma ética e transparente, como condição necessária para o fortalecimento da confiança mútua que deve pautar esse relacionamento. 3. Cabe, pois, à Corte Regional, fundamentalmente, examinar se a atuação do trabalhador na condição de gerente, contratando empresas com as quais mantinha relacionamento comercial, em manifesto conflito com os interesses do grupo empresarial, configura quebra da confiança e do dever ético de probidade, capaz de ensejar a dispensa por justa causa. Assim, diante da omissão regional no exame da questão, patente a lesão ao art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, a ensejar a nulidade do julgado declaratório, com a determinação de retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que seja complementada a prestação jurisdicional. Prejudicada a análise dos temas remanescentes. Recurso de Revista conhecido e provido.” [1]

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO. ABUSO DO PODER POTESTATIVO NA DISPENSA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. O primeiro é a ação ou omissão de alguém que produz consequências às quais o sistema jurídico reconhece relevância. É certo que esse agir de modo consciente é ainda caracterizado por ser contrário ao Direito, daí falar-se que, em princípio, a responsabilidade exige a presença da conduta culposa do agente, o que significa ação inicialmente de forma ilícita e que se distancia dos padrões socialmente adequados, muito embora possa haver o dever de ressarcimento dos danos, mesmo nos casos de conduta lícita. O segundo elemento é o dano que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, consiste na " [...] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral". Finalmente, o último elemento é o nexo causal, a consequência que se afirma existir e a causa que a provocou; é o encadeamento dos acontecimentos derivados da ação humana e os efeitos por ela gerados. No caso, o Tribunal Regional, soberano na análise do conjunto fático-probatório, relatou que o "' compliance' é um processo investigativo de conformidades e não propriamente desabonador, tendo os colegas apenas imaginado a ocorrência de algo desabonador (o que reitera-se: foi afastado pela explicação do próprio chefe ao comunicar a rescisão dos autores)". Consignou, ainda, que não há, nos autos, nenhuma prova "que indique que a empregadora ultrapassou os limites de seu poder potestativo", bem como que os autores nada provaram a respeito das "alegações de que durante o procedimento ' compliance' os representantes da empresa agiram de modo hostil e com coação". Ademais, ficou registrado que "não se sustenta a alegação de que, após o ocorrido, os reclamantes tiveram dificuldade de encontrar novo emprego. Primeiro, porque, como exposto, não há prova da prática de ato ilícito pelo empregador. Segundo, [...] a reclamante [...] encontrou novo emprego apenas três meses após a dispensa, enquanto o reclamante [...] está aposentado desde antes da ruptura contratual com a ré, não se podendo presumir que eventual dificuldade em se recolocar no mercado de trabalho decorre das circunstâncias que envolveram o término de emprego com a reclamada". Assim, não evidenciada a conduta culposa da empregadora, deve ser mantido o acórdão regional que indeferiu o pedido de reparação por danos morais. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” [2]

O compliance é, portanto, uma realidade – poderíamos dizer necessidade? – em expansão para as empresas, nas mais diversas áreas do direito. Trata-se de um movimento nacional e mundial, que deve ganhar cada vez mais força, acompanhando os movimentos da sociedade contemporânea e da chamada Revolução Industrial 4.0.

É necessário, portanto, que as organizações voltem sua atenção ao tema, tomando as providências necessárias, com a maior brevidade. Estar em compliance é estar em sincronia com a contemporaneidade.

[2] (AIRR-11577-39.2014.5.15.0002, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 06/09/2017, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/09/2017). Inteiro teor: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=AIRR%20-%2011577-39.2014.5.15.0002&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAA/nHAAL&dataPublicacao=15/09/2017&localPublicacao=DEJT&query=compliance.

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