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O princípio do duplo grau de jurisdição no processo administrativo que aplica a pena de perdimento d


O princípio do duplo grau de jurisdição nos processos administrativos relacionados à pena de perdimento de mercadorias é tema reaceso no final deste 2019 pela OAB/PR, que recentemente apresentou ao Conselho Federal da OAB nova proposta de projeto de lei que autoriza o julgamento destes processos em segunda instância pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

O Decreto Lei 1.455/1976, sobre o qual se pretende reforma, é categórico ao afirmar no §4º do artigo 27 que “após o preparo, o processo será encaminhado ao Secretário da Receita Federal que o submeterá a decisão do Ministro da Fazenda, em instância única.”.

O assunto já foi tratado no Projeto de Lei 10.473/2018 proposto pelo deputado Goulart do PSD/SP que alterava o Decreto mencionado, “permitindo a aplicação constitucional do devido processo legal concernente ao duplo grau de jurisdição nas penas de perdimento de mercadorias provenientes do exterior”. Tal feito foi arquivado pela Câmara dos Deputados com fundamento no artigo 105 do Regimento Interno daquela casa, em razão do término da legislatura em que foi proposto.

Segundo a nota técnica da OAB/PR, garantir o direito de recurso melhora a consistência e previsibilidade das decisões da aduana, trazendo como fundamento a adesão do Brasil à Convenção Internacional para a Simplificação e a Harmonização dos Regimes Aduaneiros (Convenção de Quioto Revisada).

Tal Convenção redige em seu capítulo 10 que a legislação nacional deverá prever o direito de recurso em matéria aduaneira e que qualquer pessoa que seja diretamente afetada por uma decisão ou omissão das administrações aduaneiras terá o direito de recorrer ao órgão superior.

Mas é válido notar que independentemente dos termos sobre os quais o Brasil se sujeita hoje em razão da Convenção de Quioto Revisada, a legislação nacional já possui há tempos escopo suficiente para rechaçar a irrecorribilidade das decisões proferidas em processos de pena de perdimento de mercadoria.

A Lei 70.235/1972 (Lei do Processo Administrativo Fiscal), que antecede o referido Decreto de 76, previa no artigo 33 o cabimento do recurso voluntário total ou parcial, vindo mais tarde a Constituição Federal de 88 prevendo como fundamental o direito ao contraditório e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes; ao devido processo legal; e à inafastabilidade da jurisdição (artigo 5º, incisos XXXV e LIV e LV).

Os mesmos princípios também são refletidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, instrumentalizada no Decreto 678/92, a qual expõe que durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, à garantias mínimas, sendo uma delas a de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior (artigo 8, 2, “h”).

A doutrina, também ao tratar do princípio ao contraditório e à ampla defesa, aborda o duplo grau de jurisdição como o princípio que assegura à parte ao menos um recurso, qualquer que seja a posição hierárquica do órgão jurisdicional no qual teve início o processo. O sistema confere à parte vencida o direito de provocar outra avaliação de seu alegado direito, em regra perante órgão jurisdicional diferente, com outra composição e de hierarquia superior[1].

Assim, a manutenção da instância única estabelecida pelo §4º do artigo 27 do Decreto Lei 1.455/76 não se adequa aos princípios traduzidos nas leis e na convenção vigentes, sendo pertinente a discussão acerca do direito ao recurso nestes casos, tendo em vista também os poderes da Administração decorrentes da hierarquia que concede ao CARF o exercício de julgamento como 2ª instância.

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[1] DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito proecssual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originaria de tribunal – 16ª ed. ref. – Salvador: Ed. JusPodvim, 2019. v. 3

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