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A nova edição dos INCOTERMS e a aplicação de suas regras pelos tribunais brasileiros


No mês de setembro de 2019, serão publicadas pela Câmara de Comércio Internacional (International Chamber of Commerce – ICC) as novas regras INCOTERMS® 2020, que terão vigência a partir do dia 1º de janeiro de 2020. O anúncio foi feito pela própria ICC – maior organização empresarial do mundo – como um dos acontecimentos que marcam o seu centenário neste ano de 2019.


Trata-se de uma nova edição desse conjunto de regras já conhecido mundialmente por sua segurança e aceitação por todos aqueles que praticam o comércio internacional de mercadorias, tendo em vista a necessidade de acompanhar a velocidade e a complexidade com que tais relações negociais acontecem e se renovam em suas formas e conteúdo.


Nas palavras da própria ICC, “Incoterms® 2020 reflects the ever-changing nature of today’s international trade system. Over the course of the drafting process of Incoterms® 2020, several revisions were made to make sure that the Incoterms® rules clearly and accurately reflect present-day trade practices. From early September 2019, users of the Incoterms® rules will be able to adapt, prepare and train their businesses for 1 January 2020, when Incoterms® 2020 will come into effect”.[1]


Clareza e previsibilidade são os principais fins desses termos internacionais de comércio que, em linhas gerais, definem os locais de transferência de custos e riscos entre vendedor e comprador de bens. O primeiro aspecto indica ao comprador o preço da mercadoria e o que está contido nele, e o segundo indica o momento em que todos os riscos sobre a mercadoria passam do vendedor para o comprador.


Não é objetivo deste breve texto analisar as características de cada uma das regras atuais (INCOTERMS® 2010) ou idealizar quais serão as alterações propostas pela ICC para a sua nova edição. Tudo isso será estudado e aprofundado oportunamente, em futuras publicações.


O que nos interessa neste momento é apenas reforçar a aceitação das regras INCOTERMS® pelos tribunais brasileiros, com decisões que muito bem identificam as características de cada termo e consideram as suas disposições para a solução dos mais diversos conflitos.


Independentemente da conclusão dos casos julgados, fato é que os INCOTERMS® são cada vez mais consultados e utilizados nas fundamentações das decisões proferidas pelos tribunais brasileiros, o que indica e garante maior segurança aos negócios firmados por empresas brasileiras.


Quando nos deparamos com as regras internacionais de compra e venda, não há como dissociá-las dos serviços de transporte de bens realizados, sejam eles marítimos, sejam eles aéreos. E por responderem de forma objetiva aos danos eventualmente ocorridos durante a remessa da carga entre países, os transportadores tornaram-se os alvos prediletos das seguradoras, que diariamente ajuízam inúmeras ações regressivas de ressarcimento (Súmula nº 188 do STF).


Todavia, nem sempre a seguradora deve indenizar seu segurado, nem tampouco quando o dano ou avaria é decorrente de vício intrínseco, má qualidade, ou mau acondicionamento do objeto segurado. E aqui, as regras INCOTERMS® devem ser aplicadas de forma cirúrgica.


Neste cenário, a primeira indagação que o julgador deve se valer é: qual das regras INCOTERMS® foi utilizada pelo segurado? A resposta definirá onde se inicia e termina a responsabilidade do segurado, a cobertura da respectiva apólice, bem assim eventuais excludentes de responsabilidade por parte do transportador.


Apenas para ilustrar o que estamos falando, em 2017, o Tribunal de Justiça de São Paulo – considerado o maior tribunal do mundo em volume de processos – julgou a Apelação nº 1029574-92.2015.8.26.0562 e considerou a regra “DAP” (“Delivered at Place”) para negar o pleito regressivo de uma seguradora que havia pago indenização securitária por avarias ocorridas durante o transporte aéreo de mercadorias importadas para o Brasil. Identificando a referida regra no contrato de compra e venda firmado pela empresa contratante do seguro, o referido tribunal entendeu que a responsabilidade pelo transporte principal era da vendedora/exportadora, e não da compradora/importadora (segurada). Sendo assim, os danos ocorridos durante o transporte principal não estavam cobertos pela apólice da compradora brasileira, tendo sua seguradora pago a indenização securitária por mera liberalidade.[2]


Nessa mesma ordem de ideias, agora, na exportação, a regra “FOB” (“Free on Board”) foi acolhida pelo mesmo tribunal paulista para afastar o direito de regresso da seguradora, na medida em que o dano fora constatado a bordo do navio, eximindo o transportador de dupla pena, em eventual indenização pelo mesmo ato, perante o comprador da mercadoria.[3]


Por sua vez, quando o assunto é embalagem, as 11 regras de INCOTERMS® são unânimes em atribuir ao vendedor a responsabilidade pelo fornecimento de embalagem adequada para o transporte, salvo quando o comprador der instruções em contrário. Embora o transportador disponha do poder de recusa de mercadorias cuja embalagem seja inadequada (artigo 746 do Código Civil brasileiro), não é ele quem compete essa ingerência, tanto no processo de embalagem, quanto no acondicionamento das mercadorias. Recentemente (julho/2019), o tribunal paulista deu provimento à Apelação nº 1006240-37.2018.8.26.0008 para isentar a transportadora marítima de responsabilidade por avarias ocorridas em razão do mau acondicionamento da carga no contêiner. A identificação da regra “EXW” (“Ex Works”) foi decisiva para que o julgador entendesse que, no caso, era do comprador a responsabilidade pelo acondicionamento da carga no contêiner entregue ao transportador marítimo, e que inexistia nexo de causalidade entre as avarias ocorridas e o serviço de transporte.[4]


Enfim, tais julgados apenas ilustram a boa aceitação das regras INCOTERMS® pelos Judiciário brasileiro, que vem aprofundando as análises que giram em torno dos termos internacionais de comércio, bem como do seu impacto nos contratos de transporte e de seguro, gerando maior segurança e previsibilidade para todos aqueles que realizam ou que pretendem firmar compromissos com empresas brasileiras.


Com os termos de 2020, acreditamos, não será diferente.

[1] Maiores detalhes em https://iccwbo.org/media-wall/news-speeches/icc-announces-launch-date-incoterms-2020/.

[2] TJSP – Apelação nº 1029574-92.2015.8.26.0562 – 20ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Roberto Maia – j. 04/09/2017.

[3] TJSP – Apelação nº 0042027-44.2012.8.26.0562 – 23ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Paulo Roberto de Santana – j. 21/06/2017.

[4] TJSP – Apelação nº 1006240-37.2018.8.26.0008 – 15ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Elói Estevão Troly – j. 30/07/2019.

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