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Blockchain e regulação: um casamento necessário ao avanço da tecnologia no Brasil


O excesso de regulação é algo que costumo criticar. Bem verdade, no Direito Digital, a regulação excessiva é passível de criar desnecessários e onerosos entraves à implementação de uma tecnologia e, muitas vezes, não resolverá todos os eventuais problemas e incidentes decorrentes do uso da solução tecnológica – portanto, nessas hipóteses é válido o famoso ditado “menos é mais”.

De outra sorte, a ausência completa de regulação pode ter o mesmo efeito devastador em impedir o avanço tecnológico, deixando lacunas que podem colocar em risco o próprio grau de confiabilidade da tecnologia. Portanto, a regulação precisa e holística certamente há de trazer bons resultados e se revelar como uma ferramenta que fomentará o progresso.

E é justamente esse o caso da famosa tecnologia blockchain. Como se sabe, essa tecnologia praticamente elimina a necessidade de intermediários em transações, reduzindo consideravelmente o tempo despendido e os respectivos custos administrativos, mas, ao mesmo tempo, possui alto índice de confiabilidade, segurança e transparência. Não à toa, o uso dessa tecnologia vem sendo implantado em diversas áreas do conhecimento e da atividade humana, tanto no setor privado, quanto no público.

Por exemplo, a transferência de propriedade de bens pelo uso da blockchain, como a compra e venda de um veículo ou um imóvel, já é realidade, dispensando os intermediários tradicionalmente presentes em cada tipo de operação (bancos, cartórios, departamentos de trânsito, etc). Os contratos são gerados automaticamente (smart contracts), a transferência é feita instantaneamente e o processo, que poderia levar dias ou semanas, é finalizado em poucos minutos.

No comércio exterior, a blockchain vem sendo cada vez mais utilizada a partir da solução “TradeLens”, fruto de uma parceria entre a IBM e a Maersk. Toda a cadeia de transporte é concentrada numa plataforma de logística baseada na blockchain, permitindo que os mais diversos personagens envolvidos na operação estejam conectados e possam acompanhar as informações relacionadas à mercadoria, reduzindo custos e burocracia, minimizando fraudes e ampliando a eficiência da operação.

No geral, a blockchain é deveras utilizada para registros. A plataforma brasileira “Original My” permite o registro de conteúdo na internet em blockchain para utilização como provas em eventuais investigações ou processos administrativos e judiciais, fazendo a vez da clássica Ata Notarial, sem prejudicar a veracidade e a autenticidade das informações gravadas.

A blockchain também é utilizada para registro de votações em reuniões empresarias, registro de nascimento, registro de casamento, registros na área da saúde, segurança, educação, turismo, indústria, alimentos, commodities, entre diversas outras[1].

Não obstante, embora as aplicações da blockchain sejam inúmeras e extremamente benéficas, o Brasil ainda padece de regulamentação específica sobre seu uso. No exemplo da transferência de veículo, qual a validade da transação realizada com base em uma plataforma blockchain? Qual é a plataforma específica a ser oficializada pelo poder público? Qual a necessidade e limites de atuação dos bancos, cartórios e departamentos de trânsito? Como e sob quais requisitos será gerado o documento de propriedade?

Essas e outras perguntas ainda carecem de respostas, impedindo a aplicação prática desse tipo de transação. Claro, não há qualquer óbice que duas pessoas utilizem uma plataforma baseada em blockchain e smart contracts e efetivem a transação; porém, aos olhos do poder público o proprietário do veículo ainda será aquele que consta no tradicional CRLV[2], justamente por ser esse o documento oficial de registro de veículos que constará na base de dados dos órgãos de trânsito. Quando casos como esse chegarem ao Poder Judiciário, não havendo regulação, os divergentes resultados podem causar enorme insegurança jurídica.

De fato, é consenso entre estudiosos e entusiastas do mundo tecnológico que a blockchain é a maior oportunidade desde a globalização que permitirá o avanço da sociedade e suas mais diversas operações, compreendendo parte fundamental da denominada “Indústria 4.0” ou “Quarta Revolução Industrial”, mas a tecnologia ainda padece do mínimo de regulamentação que a torne apta a, efetivamente, revolucionar o mundo como o conhecemos.

[1] A título de curiosidade quanto as possibilidades do uso da blockchain, a tecnologia é utilizada inclusive para ajuda humanitária: a solução “Eye-Pay”, criada pelo “World Food Programme Building Blocks (WFP)”, utiliza a base de dados da ONU em uma plataforma blockchain para que refugiados sírios possam pagar suas compras em supermercados a partir da leitura da íris ocular. Uma iniciativa entre ONU, Microsoft e Accenture, entre outras organizações, chamada “ID2020”, fornece identidade (digital) a milhões de refugiados ao redor do mundo a partir da coleta e registro em blockchain dos seus dados cadastrais e biométricos, e possui a meta de prover identidade legal a todos os mais de 1.1 bilhão de refugiados ao redor do globo até o ano de 2030.

[2] Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo.

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