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As dificuldades na relação entre Criptomoedas e Tributação: o novo “Romeu e Julieta”



De conhecimento popular, a tragédia escrita no final do século XVI por William Shakespeare narra a história de dois adolescentes – Romeu e Julieta - de famílias rivais que se apaixonam vigorosamente e tentam, a todo custo, viverem juntos e em paz. Todavia, a origem diametralmente oposta de ambos, fomentada pela rivalidade entre as famílias, impede que a vontade dos jovens apaixonados seja concretizada.


Pois bem. À luz do ordenamento jurídico brasileiro[1], criptomoeda não é considerada uma moeda oficial, uma vez que nenhuma moeda digital é reconhecida pelo Estado Brasileiro; tampouco é considerada moeda estrangeira, posto que nenhum outro país a adotou. Vale dizer, portanto, que para o Direito Tributário nacional, criptomoeda não é considerada moeda.


Adiante, tem-se que o conceito de criptomoeda foi idealizado – há mais de 20 anos – como uma nova moeda descentralizada, criptografada, que não fosse possível rastrear e cuja valoração seria atribuída pelos próprios usuários. A ideia era justamente permitir transações anônimas e inibir o controle governamental sobre o que hoje conhecemos como “dinheiro”.


Desta feita, tendo em vista a razão de ser das famosas moedas digitais, demonstra-se contraditório o intuito de regulamentar algo que foi criado para não ser regulamentado. De outra sorte, é inegável que há uma expressão econômica às pessoas que fazem uso de criptomoedas, cujas operações, assim como o mercado de ações, certamente irão gerar alguns milionários no Brasil.


Exsurge então a primeira dificuldade: não há como controlar as transações efetivadas pelo uso de criptomoedas a não ser que o próprio contribuinte informe espontaneamente a realização dessa transação. Logo, a tentativa de controle tributário da propriedade e do uso das moedas digitais dependerá da vontade dos próprios contribuintes, que abrem mão do anonimato e optam por estar em total compliance tributário – o conceito de “contribuinte” nunca foi tão literal.


E foi justamente essa a medida adotada pela Receita Federal do Brasil que, desde 2016, “exige” que os contribuintes detentores de criptomoedas façam a declaração, pelo valor da aquisição, na Ficha “Bens e Direitos”, uma vez que se pode equiparar a um ativo financeiro. Caso o contribuinte realize a venda de valores superiores a R$ 35.000,00, incidirá IR cuja alíquota será de 15% a 22,5%, a depender da quantia movimentada.


Aqui surge o segundo óbice: embora o fisco considere a criptomoeda um ativo, a volatilidade é muito superior a qualquer outro tipo de investimento ou aplicação financeira; por exemplo, o Bitcoin sofre atualizações praticamente instantâneas: em menos de cinco minutos o valor de um Bitcoin pode alterar drasticamente. A cotação dependerá, mais uma vez, de interesse do próprio contribuinte em comprovar, de maneira idônea, o valor específico de cada transação.


Por último, mas não menos importante, a terceira dificuldade reside no próprio reconhecimento das moedas digitais como moeda, bem móvel ou serviço. Como visto, as criptomoedas não são consideradas moedas propriamente ditas, porém, caso esse entendimento se altere mediante vindouras concepções jurídicas, o cerne da tributação mudará completamente, com a provável incidência de IOF sobre as transações, além da conversão e transformação em renda para fins de IR.


Se prevalecer a (espirituosa) ideia de que criptomoedas são bem móveis, as transações estarão sujeitas à cobrança de ICMS, ITCMD e, como já ocorre contemporaneamente, ao IR sobre o ganho de capital. Há, ainda, a possibilidade de que o contribuinte desembolse com ISS, caso a atividade desempenhada pelas casas de câmbio de criptomoedas seja reconhecida como uma prestação de serviços. Isso tudo sem contar com a mencionada dificuldade em se comprovar o valor, em moeda nacional, de cada transação.


Enfim, a relação entre criptomoedas e tributação representa mais um entre tantos cenários que clamam por uma reforma do Sistema Tributário Nacional, que há muito tempo não se encontra adequado com as novas realidades, primordialmente no meio digital. Com ou sem reforma, é necessário muito cuidado e esmero ao tratar essa relação a fim de que não tenha o mesmo desfecho que a tragédia literária que deu início a este artigo.


[1] Lei nº 9.069, de 29 de julho de 1995.

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