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A Medida Provisória n°. 808/2017 e a figura do TAC agregado

A recém editada Medida Provisória n°. 808/2017 passou a dar efetiva regulamentação à contratação do trabalhador autônomo através da inserção de sete parágrafos ao artigo 442-B da CLT[2]. Especificamente ao tema proposto, teceremos uma breve análise comparativa entre as disposições trazidas pelos §§ 1º e 3º do artigo em questão e o § 1º do artigo 4° da Lei n°. 11.442/2007, que dispõe sobre o transportador autônomo de cargas agregado.

A inovação apresentada no § 1º do artigo 442-B da CLT[3], se refere à vedação da cláusula de exclusividade no contrato de prestação de serviços autônomos. Ainda, de acordo com o §3º[4] do mesmo dispositivo, o autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo.

De outra banda temos a Lei n°. 11.442/2007, que regula o transporte rodoviário de cargas e em cujo artigo 4°, §1º[5], encontra-se definida a figura do transportador autônomo de cargas agregado, que em breves palavras é aquele que cede veículo de sua propriedade ou posse, sob sua própria condução ou de preposto seu, a serviço de um contratante em caráter exclusivo.

Embora as duas normas disponham acerca da contratação do autônomo, uma se contrapõe a outra no tocante à exclusividade: enquanto a legislação especial prevê que no caso do TAC agregado a prestação do serviço se dá em caráter exclusivo, a norma geral proíbe a cláusula de exclusividade.

Posto isso, prima facie, há aparente conflito entre as normas.

Entretanto, faz-se necessária leitura mais aprofundada no que dispõe a Lei n°. 11.442/2007 sobre o TAC agregado:

Art. 4o

§ 1o Denomina-se TAC-agregado aquele que coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa..

Nos termos do parágrafo supracitado, o trabalhador autônomo de cargas agregado cede veículo de sua propriedade ou posse com exclusividade ao contratante. Se denota de forma clara, portanto, que a exclusividade recai sobre o veículo e não sobre o motorista.

Desse modo, o requisito da exclusividade imposto na norma em questão se sobrepõe à restrição prevista no §1º do artigo 442-B da CLT, já que aquele se refere unicamente à cessão do veículo. O próprio §5º[6] do dispositivo celetista é permissivo no tocante à contratação de autônomo regida por legislação específica, de modo que entendemos que a lei nova não conflita com a norma especial.

Ainda que se entenda que a Lei n°. 11.442/2007, ao tratar do transportador autônomo de cargas agregado, impõe a exclusividade ao trabalhador (e não ao veículo), cabe defendermos sua prevalência frente à restrição contida no §1º do artigo 442-B da CLT.

Em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de resolução de conflitos de normas se dá pelos critérios hierárquico; cronológico e da especialidade.

Maria Helena Diniz conceitua tais critérios da seguinte forma:

a) O hierárquico: a ordem hierárquica entre as fontes servirá para solucionar conflitos de normas em diferentes níveis (...);

b) O cronológico: que remonta ao tempo em que as normas começaram a ter vigência, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão.; e

c) O de especialidade: que visa a consideração da matéria normada, com recurso aos meios interpretativos.[7]

No presente estudo, de um lado temos uma norma especial prefacial e de outro uma norma geral e posterior, pelo que se verifica a existência de uma antinomia aparente de segundo grau, ou seja, um conflito entre os critérios da especialidade e o cronológico, para o qual invocaremos como solução o metacritério lex posterior generalis non derogat priori speciali.

A posição ora assumida se justifica em razão de a norma especial tratar de uma espécie específica de prestação de serviços, consideradas todas as suas nuances, diferentemente do que ocorre com o dispositivo celetista, de caráter geral. No caso do transportador autônomo de cargas agregado, por exemplo, a Lei nº 11.442/2007 não traz somente a imposição de exigências como a obrigatoriedade de registro do transportador perante autoridade competente, titularidade ou posse do veículo e assunção pelo trabalhador do risco da própria atividade, mas também estabelece regras características àquela modalidade de contrato, como a fixação do tempo de espera, distribuição da responsabilidade pelo atraso de entrega ou extravio de mercadorias, elevação do “conhecimento de transporte” ao status de fonte obrigacional, entre outras, tratando-se todas de circunstâncias particulares que justificam o seu tratamento diferenciado

Irrefutável, pois, a existência de distinção da modalidade de prestação de serviço inserta na lei especial, motivo pelo qual a prevalência desta sobre a norma geral é de rigor.

Diante do todo o acima abordado, independentemente da forma como analisada a questão, não há de se olvidar que o § 1º do artigo 442-B da CLT não deverá ser aplicado ao transporte autônomo de cargas, já que a exclusividade é característica inerente à figura do transportador autônomo de carga agregado.

[1] Advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia da Advocacia Ruy de Mello Miller.

[2] “Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.

[3] § 1º É vedada a celebração de cláusula de exclusividade no contrato previsto no caput.

[4] Redação do parágrafo transcrita na íntegra.

[5] § 1o Denomina-se TAC-agregado aquele que coloca veículo de sua propriedade ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa.

[6] § 5º Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do caput, não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º.

[7] Diniz, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil / Maria Helena Diniz. – 27. Ed. – São Paulo : Saraiva,2010, pag. 90.

Autor: Lizandra Cristina Morandi

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