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O controle não estatal da corrupção: a importância do programa de integridade

O Estado patrimonialista brasileiro é comumente identificado com a prática da corrupção. Observa-se que ela encontra origens históricas relacionadas a aspectos da colonização do país que, como se sabe, remunerava insuficientemente os seus funcionários, reservando a estes, contudo, uma forte dose de prerrogativas nas relações com os interesses privados[i].

São louváveis, portanto, as iniciativas que buscam atenuar os efeitos de condutas desviantes, visto que a corrupção constitui um obstáculo[ii] para a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais.

A Lei n°. 12.846, de 1° de agosto de 2013 (lei anticorrupção), que trata da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de ato contra a administração pública, nacional ou estrangeira, é o mais recente diploma a integrar o sistema de normas[iii] que busca resgatar a moralidade nas relações da administração pública.

Mesmo guardando um caráter utópico[iv] e apresentando grandes problemas técnicos[v], a lei anticorrupção tem a sua importância na medida em que passa a prever diversos instrumentos de combate à corrupção, entre eles, o chamado programa de integridade.

O artigo 41 do Decreto n°. 8.420 de 2015 diz que o programa de integridade representa “o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira”.

Com efeito, a relevância dos controles corporativos internos não está apenas em garantir a redução da multa aplicada sobre a pessoa jurídica responsabilizada por ato lesivo à administração pública, mas também estabelecer um compromisso da empresa com a ética, proporcionando, sobretudo, maior segurança aos seus investidores.

O maior objetivo de um programa de integridade, assim, é reduzir o risco de perda da reputação da empresa, pois isso enseja “publicidade negativa, perda de rendimento, litígios caros, redução da base de clientes e, nos casos mais extremos, até a falência”[vi].

Ainda que se deva considerar o custo de transação para a construção de um programa de integridade, não há dúvida de que a mudança do paradigma referente à percepção da corrupção pela sociedade trará grandes benefícios para as empresas que fomentarem, desde já, um compromisso interno voltado às boas práticas comerciais.

Curiosamente, apesar do aumento do exercício do controle administrativo-burocrático e do controle judicial[vii] sobre a corrupção após a Constituição Federal de 1988, foram poucas as condenações de atos ilícitos ligados à esse tema, resultando daí também a relevância dos programas de integridade, conforme indica o entendimento de representante da CGU[viii] sobre o assunto:

Em oposição ao modelo individual, a responsabilização da pessoa jurídica faz com que o ente coletivo internalize os custos do ilícito, o que é desejável do ponto de vista da prevenção. Além disso, a pessoa jurídica está mais bem posicionada do que o estado ou as vítimas para evitar que o crime seja cometido ou para identificar os indivíduos responsáveis por sua prática.

Isso significa que o quão mais perto você está dos problemas, mais fácil se torna solucioná-los, por isso o combate à corrupção deve vir do Estado e igualmente da sociedade civil mediante uma participação ativa, exigindo a adoção de boas práticas comerciais como forma de diferenciação substancial das empresas.

Por tudo isso, o programa de integridade representa uma iniciativa importante para aperfeiçoar o controle sobre o homem público ao inverter a lógica atual de combate à corrupção e desprezar a opinião de parte de uma sociedade que aplaude apenas o recrudescimento das penas[ix] sem perceber que isso traz um ganho ínfimo para o efetivo combate à corrupção[x] e não necessariamente contribui para a consagração de direitos e o tão esperado desenvolvimento social e econômico.

Autor: José Carlos Higa de Freitas

[i] MELLO, Evaldo Cabral de. Pernambuco no período colonial. In: AVRITZER, Leonardo et al. (Org.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

[ii] LIMA, M. Madeleine e H. de P. Corrupção: obstáculos à implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 33, p.204, out/dez. 2000.

[iii] Lei nº 8.429/1992 (Lei de combate à improbidade administrativa), parte penal da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (artigos 90 et seq. da Lei nº 8.666/1993), Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência), pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), e pelo artigo 312 do Código Penal

[iv] Não é possível imaginar o fim da corrupção a menos que se traga para a realidade o orwelliano “grande irmão”.

[v] Conflito com outras normas, dificuldade na identificação dos agentes responsáveis pelo combate à corrupção, extensão do acordo de leniência e possibilidade de rediscussão pela via judicial.

[vi] COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi (Coord.). Manual de Compliance: preservando a boa governança e a integridade das organizações. Pag. 02. São Paulo: Atlas, 2010.

[vii] AVRITZER, Leonardo e FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção e controles democráticos no Brasil. Brasília, DF: CEPAL. Escritório do Brasil/IPEA, 2011.

[viii] Reunião da Comissão Anticorrupção e Compliance do IBRADEMP, em 30 de junho de 2011. Apresentação da Diretora de Prevenção da Corrupção da CGU sobre o tema “Combate à Corrupção no Brasil: Atuação da CGU e Exposição sobre o Projeto de Lei n° 6.826/2010”

[ix] Valor Econômico. São Paulo, 29 de março de 2016. Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/4502524/projeto-anticorrupcao-soma-mais-de-2-milhoes-de-assinaturas. Acesso em: 30 mar de 2015.

[x] Afirma Leopoldo Ubiratan Carreiro Pagotto na sua tese de doutorado O combate à corrupção: a contribuição do direito econômico que: “Ao se analisar as informações da Tabela 9, constata-se que o direito penal brasileiro possui penas que, em tese, são tão ou mais severas do que as de outros países com níveis de corrupção menor”

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