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Prestação de serviços no setor offshore – legislação trabalhista aplicável às jornadas

A descoberta do Pré-Sal traduziu-se na florescência de um verdadeiro Eldorado na economia brasileira. Embora a exploração desse maná ainda esteja começando, as expectativas são colossais. Os dados divulgados pela PETROBRAS não deixam dúvida de que o Brasil ocupará posição de destaque no mercado petrolífero mundial. A meta para 2017 já engloba uma produção diária superior a um milhão de barris de óleo. Essa previsão é impulsionada por números impressionantes como, por exemplo, os da acumulação de Tupi e do poço de Guará. Situadas na Bacia de Santos, estas reservas apresentam, respectivamente, volumes estimados entre 5 e 8 bilhões de barris de óleo equivalente, e de 1,1 a 2 bilhões de barris de petróleo leve e gás natural. O processo de exploração do Pré-Sal culminará, dentre outras conseqüências, no incremento da Indústria Naval e Offshore de bens e serviços. De acordo com levantamentos procedidos pela ABENAV – Associação Brasileira das Empresas do Setor Naval e Offshore, até 2020 a Petrobras deve adquirir, no mínimo, 100 plataformas de produção e sondas de perfuração, 500 barcos de apoio, 80 petroleiros e uma extensa gama dos mais variados equipamentos. Toda essa demanda já vem aquecendo a produção naval e, à medida que as unidades produtoras e transportadoras avançarem, a prestação de serviços no ambiente Offshore se potencializará. Estima-se, segundo a ABENAV, que a participação da indústria de Óleo & Gás no PIB nacional passará de 10% para 20% até 2020. A geração de Empregos, que no ano 2000 representava 1.900 postos diretos de trabalho, e que em 2010 chegou ao elogiável patamar de 56.000 empregos, deve alcançar a marca aproximada de 100.000 vagas em 2016. O desenvolvimento social e econômico de um determinado Setor acaba sendo acompanhado, invariavelmente, de discussões atinentes às relações de trabalho. O arcabouço legislativo brasileiro é dotado de Lei Especial na seara petrolífera: trata-se da Lei n. 5.811/72 que, prestes a completar quarenta anos, disciplina “o regime de trabalho dos empregados nas atividades de exploração, perfuração, produção e refinação de petróleo, industrialização do xisto, indústria petroquímica e transporte de petróleo e seus derivados por meio de dutos”. No que se refere especificamente à jornada de trabalho, o diploma legal em questão prevê três regimes diferenciados:

a) turnos ininterruptos de revezamento de 8 (oito) horas;

b) turnos ininterruptos de revezamento de 12 (doze) horas, cuja utilização fica restrita às atividades de exploração, perfuração, produção e transferência de petróleo do mar, e às atividades de exploração, perfuração e produção de petróleo em áreas terrestres distantes ou de difícil acesso;

c) regime de sobreaviso por 24 (vinte e quatro) horas para os trabalhadores responsáveis por supervisionar operações, ou engajados em trabalhos de geologia de poço, ou, ainda, em trabalhos de apoio operacional. Este sistema se aplica aos casos em que a disponibilidade integral seja imprescindível ao desenvolvimento das operações durante as 24 (vinte e quatro) horas do dia. O artigo 5º, §2º, da Lei n. 5.811/72 ressalva que, mesmo estando de sobreaviso/disposição integral, o trabalhador não poderá ser submetido a uma carga efetiva de trabalho por mais de 12 (doze) horas.

A validade dos referidos turnos de trabalho passou a ser questionada após o advento da atual Constituição Federal, em 1988. Isto porque, ao dispor sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, a Lei Maior fixou “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva” (artigo 7º, inciso XIV). Se a Constituição Federal, que é a Lei Suprema no ordenamento jurídico, passou a limitar a duração dos turnos em 6 (seis) horas, como poderia uma Lei Ordinária autorizar jornadas de 8 (oito) e 12 (doze) horas? A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, órgão máximo da Justiça Trabalhista, consolidou-se no sentido de que a Lei n. 5.811/72 não é incompatível com a ordem constitucional estabelecida em 1988. O entendimento do TST ficou cristalizado na Súmula n. 391 que, em seu item I, proclama: “A Lei nº 5.811/1972 foi recepcionada pela CF/88 no que se refere à duração da jornada de trabalho em regime de revezamento dos petroleiros”. Se atualmente não existem dúvidas quanto à legalidade de tais turnos, o mesmo não se pode dizer sobre a aplicabilidade da Lei n. 5.811/72 aos Funcionários das Empresas que prestam serviços às Plataformas. O tema é essencialmente interpretativo. Exemplificando a existência de posicionamentos divergentes, trazemos à baila decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho do Rio de Janeiro (Proc. 153900-85.2008.5.01.0481) e do Espírito Santo (Proc. 103900-68.2007.5.17.0191). Analisando situações que envolviam serviços de certificação/classificação e montagem industrial no Setor Offshore, os referidos Tribunais decidiram, respectivamente, que a Lei n. 5.811/72:

a) se aplica aos “contratos tanto daqueles trabalhadores que prestam serviços diretamente ligados às atividades da indústria do petróleo quanto àqueles que executam trabalhos de apoio nas atividades petrolíferas” (TRT RJ);

b) é inaplicável, “pois não se tratam de empregados petroquímicos, ou seja, regidos pela Lei nº 5.811/71” (TRT ES).

Verifica-se em tais decisões que, enquanto o TRT RJ adotou uma interpretação ampliativa da Lei n. 5.811/72, o TRT ES posicionou-se restritivamente, limitando a aplicação da norma aos integrantes da Categoria Petroquímica. O tema sob análise interfere diretamente na forma de remuneração dos Trabalhadores que atuam no apoio Offshore, principalmente no que concerne aos limites da jornada de trabalho/horas extras. As lides trabalhistas em torno desta matéria certamente crescerão na mesma proporção que o mercado Offshore. Enquanto não sobrevier alteração legislativa que afete a Lei n. 5.811/72, o mais prudente é que suas disposições sejam estendidas aos Prestadores de Serviços do mercado Offshore. Embora não pertençam à Categoria Petroquímica, os referidos Prestadores de Serviços inserem-se na realidade do trabalho Offshore quando atuam junto às Plataformas. Uma Empresa do ramo de classificação/certificação, por exemplo, precisa contar com o respaldo da Lei n. 5.811/72 para justificar a jornada de um Funcionário que ficará embarcado em Plataforma. Caso contrário, tal Empresa fica exposta a penalidades impostas pelo MTE, pelo MPT e pela Justiça do Trabalho, pois os limites de jornada previstos na CLT seriam constantemente desrespeitados. Os turnos de trabalho da Lei n. 5.811/72 foram moldados para atender, com equilíbrio, as peculiaridades e necessidades do trabalho Offshore. Dotada de caráter especial, a Lei n. 5.811/72 se sobrepõe às regras gerais da CLT, e deve ser aplicada a todo e qualquer tipo de trabalho realizado em âmbito Offshore. Afinal, o próprio texto da Lei dá margem à interpretação de que foi esta a intenção do Legislador; basta atentar para o artigo 5º, que menciona expressamente os “trabalhos de apoio operacional”, e para o artigo 12, que prevê: “As disposições desta lei se aplicam a situações análogas”.

* Lucas Rênio da Silva é Advogado integrante da Advocacia Ruy de Mello Miller, Escritório especializado em Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro - www.miller.adv.br.

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